Novos procedimentos padrões permitiram fuga na Pamc, diz relatório

Sejuc abriu investigação para apurar o teor das alegações e disse que autores do documento não têm visão completa dos desafios do sistema prisional

Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)
Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Um estudo revelou que a atualização de procedimentos operacionais padrões realizada em 2023 fragilizou a segurança na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), a maior de Roraima. O relatório também diz que o cenário contribuiu para a fuga dos quatro detentos da ala 12, ocorrida em setembro. Três deles já foram recapturados.

Dois policiais penais assinam o estudo “Falha Crítica de Segurança na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo e as Deficiências Sistêmicas da Gestão Prisional”, de 51 páginas, e concluem que o novo Procedimento Operacional Padrão (POP) resultou “numa clara redução das medidas de segurança” na unidade.

Em nota (que pode ser lida completamente ao final da reportagem), a Secretaria Estadual de Justiça (Sejuc) repudiou os pontos expostos no relatório e avaliou que a análise ignora as competências oficiais atribuídas a setores devidamente regulamentados e responsáveis pela avaliação das questões de segurança das unidades prisionais. A pasta esclareceu que os autores do documento não trabalham nesses setores e, portanto, não possuem visão completa dos desafios do sistema prisional. Informou, também, que abriu investigação interna para apurar o teor das alegações.

As falhas no dia da fuga

Os autores constataram uma série de falhas de segurança no dia da fuga. Primeiramente, eles apontam dez fatores determinantes para o problema, como a falta de efetivo adequado e de incentivo à decisão conjunta de ações em segurança, a sobrecarga de trabalho, a escolha inadequada da ala 12 como de segurança máxima e a escolha do local de vigilância das câmeras de segurança. “Caso houvesse a correção de qualquer uma dessas falhas, mesmo que isolada, poderia ter sido suficiente para evitar a fuga planejada pelos internos”, pontuaram.

Na segunda camada de segurança, o estudo revelou que os quatro detentos fugiram devido a fatores, como: baixa iluminação; desenho inadequado dos postos de serviço noturno; desativação da guarita T3; modelo de vigília inadequado; ausência de câmeras de segurança.

Os policiais também apontam que a fuga só foi detectada apenas 24 horas depois, devido à cultura de exigências impraticáveis, à gestão desconectada da realidade operacional e à vista grossa do gestor quanto à adaptação de procedimentos.

O documento enfatiza que, no dia, a Pamc tinha 38 policiais plantonistas para vigiar 1.632 presos, o que representa um percentual de um agente para cada 42,95 internos, enquanto o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) recomenda um para cada cinco. “A gestão dos recursos humanos em uma unidade de alta complexidade como essa deveria ser planejada de forma a garantir a segurança e o controle necessários, mas o que se observa é uma lacuna entre o número de servidores e a alocação efetiva de pessoal”, pontuam.

Os autores do relatório também destacam “decisões e omissões” que “agravaram a situação ou atrapalharam a resposta aos eventos”, como a centralização do monitoramento de câmeras e a ausência de um plano de defesa.

Análise do Procedimento Operacional Padrão

O estudo revela que após a fuga, uma equipe da Sejuc, composta por quatro servidores, incluindo o secretário estadual Hércules Pereira e a diretora do Departamento do Sistema Penitenciário (Desipe), Fabiany Said, buscaram levantar a origem do problema. Inclusive, é a ela que o relatório se destina.

Fabiany, segundo o documento, teria insinuado que a situação poderia ter sido evitada caso os policiais penais tivessem seguido o Procedimento Operação Padrão (POP) da unidade. Dezesseis plantonistas que trabalhavam no dia da fuga passaram a responder Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD).

Nesse contexto, os autores do relatório analisaram a efetividade do cumprimento do atual POP, atualizado no ano passado, e constataram uma série de flexibilizações regimentais que incluem: a retirada do plano de defesa para lidar com situações de crise; a brecha para ter menos de três policiais penais no Posto de Acesso Primário da Pamc (controle de entrada e saída de veículos e pessoas); e a falta de tecnologias como sistemas de monitoramento e detectores de metais para complementar a presença de agentes no Posto de Acesso Secundário (responsável pela segurança da área interna da unidade).

O estudo também constatou brechas sobre a quantidade de policiais no Posto de Enfermaria ao estabelecer “preferencialmente” dois agentes, e a incapacidade da atual equipe do Posto de Controle Principal de “prever, inibir ou reagir” imediatamente a incidentes na unidade. O relatório também apontou a supressão de um posto próprio na ala da fuga.

A análise também identificou no atual procedimento padrão:

  • Falta de necessidade de manter visualização contínua dos internos que já foram retirados para o banho de sol enquanto uma segunda ala está sendo extraída;
  • Extinção da obrigatoriedade de manter 22 operacionais mínimos para atividades diárias com a fusão da Unidade Básica de Saúde (UBS) do bloco A com o posto de saúde da Pamc;
  • Desativação do Posto de Acesso Primário à noite com a consequente transferência do controle de entrada e saída para o Posto de Acesso Secundário, onde frequentemente, apenas um policial penal vigia o local durante a madrugada;
  • Falta de lanternas para os policiais;
  • Redundância excessiva de chamadas;
  • Plantão de 24 horas que frequentemente passa, na prática, das 26 horas;
  • Supostas contradições no novo POP.

Os policiais penais também identificaram infraestrutura inadequada na escola estadual Professora Crisotelma Francisca de Brito Gomes. “Imagine uma sala de aula com cerca de 30 internos, desalgemados, onde as paredes são feitas de concreto simples, sem qualquer reforço adicional e sem supervisão direta de um policial penal”, destacam, ressaltando, ainda, que apenas quatro policiais são responsáveis por supervisionar, diariamente, mais de 300 internos na escola.

Sugestões

Os dois agentes também recomendam “medidas urgentes e eficazes para reverter o cenário de colapso iminente que se desenha” na unidade. Entre elas, o aumento do efetivo e a implementação da automatização de portas e grades. Segundo eles, atualmente, os plantonistas precisam manusear 331 cadeados diariamente, o que “torna o processo lento, exaustivo e dependente de efetivo destinado exclusivamente para esse fim, cerca de um policial para cada duas ou três alas”.

Nota completa da Sejuc

“A Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania vem a público manifestar repúdio em relação à exposição dos pontos destacados no relatório e considera que a análise apresentada ignora as competências oficiais atribuídas à Assessoria Especial de Operações Penitenciárias e de Inteligência, setores devidamente regulamentados e responsáveis pela avaliação das questões de segurança das unidades prisionais.

É importante ressaltar que os servidores mencionados no relatório não participam destes setores competentes e, portanto, não possuem a visão completa das complexidades e desafios enfrentados em nosso sistema prisional.

A Sejuc acredita que qualquer crítica deve ser fundamentada em análises que considerem a totalidade do contexto, evitando generalizações que possam comprometer a imagem e a integridade dos profissionais dedicados à segurança.

Além disso, informa que foi instaurado procedimento para apurar o teor do referido relatório, visando verificar possíveis exposições inadequadas sobre situações de segurança na unidade prisional.

A Sejuc reafirma o compromisso com a melhoria contínua das condições de trabalho e com a segurança nas unidades prisionais.”