Publicada no começo do mês, a Resolução 1.236/18 institui o regulamento para a conduta do médico-veterinário e zootecnista sobre a constatação de maus-tratos, abuso e crueldade contra animais. O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) relatou que o objetivo da normativa é fortalecer a segurança jurídica e auxiliar os profissionais que atuam na área sobre atos que implicam em danos para os animais.
A norma define, pela primeira vez, a definição sobre as práticas que qualificam os maus-tratos, caracterizados os atos ou omissões que provoquem dor ou sofrimento desnecessário para o animal. Já o abuso é qualquer prática intencional que implique no uso despropositado, indevido e excessivo nos animais, causando prejuízos física e psicologicamente, incluindo abusos sexuais.
No conceito de crueldade, a resolução passa a entender que é submeter o animal a maus-tratos de forma continuada e intencional. Para o CFMV, os animais são serem com capacidade de sentir, o que formulou 29 itens dentro da resolução que caracterizam os maus-tratos, incluindo procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem anestesia, manter em local desprovido de condições mínimas de higiene, até o abandono.
De acordo com o presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária em Roraima (CRMV), Francisco Edson Gomes, os dados registrados de maus-tratos em animais no Estado são inexistentes, mas que a partir da aplicação da resolução, é possível ter uma mudança de comportamento, tanto dos donos de animais domésticos quanto de profissionais da área. “Se o profissional constata ou suspeita que houve maus-tratos, ele deve registrar, encaminhar ao Conselho, para que formalize a denúncia junto aos órgãos competentes”, esclareceu.
Junto com o Conselho Regional atuando no combate aos maus-tratos em animais, estão a Polícia Civil, o Ministério Público Estadual (MPRR), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Secretarias de Meio Ambiente. Caso os atos violentos sejam cometidos por um profissional da área, haverá uma investigação por meio de processo administrativo que pode resultar até na cassação do registro profissional.
Gomes destacou que quanto mais esclarecimentos forem repassados sobre os três pontos que definem a resolução, mais será possível um entendimento e vigilância maior por parte da comunidade em geral para a diminuição de atos que colocam animais em condições de sofrimento.
Segundo o presidente, o Conselho já teve conhecimento de possíveis erros médicos, mas que nunca tiveram informação de casos que se encaixam em maus-tratos.
Para conseguir fazer uma denúncia, é fundamental que tenha a comprovação do ato, seja por meio de imagens ou vídeos. O CRMV recomenda que os animais não podem estar submetidos a condições estressantes ou que provoquem danos de sofrimento por um período de tempo.
“Se a pessoa constatar maus-tratos ao animal, poderá fazer a denúncia aos órgãos competentes. Não compete ao Conselho aplicar nenhuma sanção ao cidadão comum, o que o Conselho faz é denunciar, mas qualquer pessoa poderá promover uma denúncia em outros órgãos”, destacou.
ATOS VIOLENTOS – A resolução contempla também a alimentação forçada para provocar a degeneração gordurosa no fígado para a produção de foie gras. Agredir fisicamente ou agir para causar dor e danos ao animal. Manter o animal sem acesso adequado à água, alimentação e temperatura compatíveis com suas necessidades. Impedir a movimentação ou descanso de animais, entre outros.
O médico-veterinário e o zootecnista têm o dever de orientar os tutores ou donos de animais sobre as condutas que implicam em maus-tratos e suas consequências, bem como as responsabilidades quanto ao bem-estar do animal.
Mulher resgata animais de rua há 34 anos
A jornalista Katia Bezerra comemora a edição da resolução contra maus-tratos a animais (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)
Sem vínculos com associações e organizações não governamentais (ONGs), a jornalista Kátia Bezerra lembra quando resgatou o primeiro cachorro em situação de rua, aos oito anos, e decidiu que não ia mais parar de prestar assistência aos animais abandonados, o que faz até hoje.
Com 42 anos, junto com um grupo de amigos, a jornalista faz a retirada de cachorros e gatos vulneráveis das ruas de Boa Vista. Após o resgate, levam para atendimento veterinário e depois colocam para a adoção ou procuram lares temporários, por não ter apoio de outras entidades, o trabalho é difícil, mas não pensa em desistir.
Segundo ela, a nova resolução contra maus-tratos pode significar uma mudança no comportamento da população em relação aos abusos cometidos contra os animais. “A gente lida com os maus-tratos todos os dias, recebemos denúncias diárias. Alguns profissionais de medicina veterinária recebem casos de maus-tratos, mas não repassam esses dados para os Conselhos”, criticou.
Kátia apontou que a falta de dados registrados em Roraima mostra a dificuldade na aplicação de uma fiscalização maior, pois durante os resgates feitos pela jornalista são regularmente encontrados animais mutilados, atropelados e abandonados pelos donos. De acordo com a defensora dos animais, houve casos encontrados pelo grupo de cachorros acorrentados sem acesso à água ou comida por dias.
“Já cansamos de receber casos assim, de chegarmos e o animal estar praticamente morto”, relembrou. A jornalista enfatizou que há uma omissão por parte dos poderes públicos, inclusive ambiental, em relação aos animais em situação de rua e que a resolução pode diminuir esse tipo de situação, principalmente por ter aplicações punitivas, mas que precisa de uma aplicação mais efetiva. (A.P.L)