Brasil não deve romper politicamente com Venezuela, mesmo com ameaças

Para o professor Haroldo Amoras, ruptura política entre os dois países é pouco provável

O economista Haroldo Amoras (Arquivo Folha BV)
O economista Haroldo Amoras (Arquivo Folha BV)

As relações políticas entre os governos do Brasil e da Venezuela, embora estremecidas, não devem sofrer uma ruptura oficial. A avaliação é do professor Haroldo Amoras, Doutor em Relações Internacionais, durante entrevista ao programa Agenda da Semana na Rádio Folha 100.3 FM neste domingo, 03.

Recentemente, as ligações entre os dois países vizinhos ganharam novos capítulos. No dia 31 de outubro, a Polícia Nacional Bolivariana da Venezuela divulgou nas redes sociais uma foto borrada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com uma mancha preta e a legenda ‘Quem se mete com a Venezuela, se dá mal’.

Por sua vez, o Itamaraty emitiu nota criticando a publicação da polícia venezuelana com ameaça ao presidente, relatando surpresa com o ‘tom ofensivo adotado por manifestações de autoridades venezuelanas em relação ao Brasil’. Outras situações recentes que demonstram uma situação de instabilidade entre os dois países vizinhos foram a decisão da diplomacia brasileira de barrar a Venezuela no Brics e a saída do Embaixador da Venezuela no Brasil.

Para Amoras, mesmo em um momento tenso, é pouco provável que realmente ocorra uma quebra na relação entre os dois países. Pelo menos, oficialmente. “Uma ruptura que eventualmente possa ocorrer é puramente formal. Diria que uma ruptura para o público interno ver. O povo da Venezuela. Isso por que esse desligamento entre Brasil e Venezuela já aconteceram três vezes”, disse Amoras.

O professor explica que as relações entre os dois países são de indiferença na maior parte do seu tempo, historicamente falando. Isso ocorre por que a Venezuela tinha uma economia voltada para o Caribe e a Europa nas décadas passadas. Portanto, a região sul do país produzia produtos de agricultura e mineração extensiva até meados dos anos 1950.

“Então, não tínhamos ameaça. Nós éramos vizinhos bem cordiais. A primeira aproximação que o Brasil teve de governo para governo só veio acontecer em 1973 quando os dois presidentes se encontraram na fronteira e assinaram um termo de cooperação técnica”, explica Haroldo. O termo em vigor até hoje institucionalizou e deu diretrizes em diversos campos, entre eles, para a construção da BR-174.

Outra situação citada por Amoras é que o Brasil e a Venezuela nunca tiveram problema com demarcação de território. “Isso aconteceu em 1859, que foi exatamente o ano de início da guerra civil que eclodiu na Venezuela e que durou quatro anos. A briga era entre os donos de grande propriedades que queriam um governo descentralizado e o governo central, baseado principalmente nas forças armadas e nas milícias”, acrescentou o professor. “O pessoal do campo perdeu a guerra e isso só solidificou a presença da estrutura militar na Venezuela que na sua maioria foi governada por militares”, completou.

Ainda com relação aos dois países, Haroldo recorda que houve problemas nas fronteiras. O primeiro, no final da década de 1980, em função da presença intensa de garimpos na região sul e a presença de garimpeiros brasileiros que estavam explorando a região. O problema diplomático, porém, foi resolvido com diálogo.

O segundo fator, segundo Amoras, foi a mudança do regime político na Venezuela em 1999. “De 1959 a 1999, a Venezuela teve 40 anos de governos civis. Só que, as coisas desandaram por que a elite política venezuelana, muito corrupta, parou de investir na região. Isso permitiu o surgimento de um militar, na época o Coronel Hugo Chavez, que ganhou com base em eleições e trouxe a proposta do socialismo bolivariano, voltado para a maioria do povo”, acrescentou.

Além disso, o professor citou ainda o potencial da produção e exploração de petróleo na Guiana, em uma área que é reivindicada há anos pela Venezuela, desde 1899. Outro momento foi o rompimento das relações diplomáticas com o Brasil em 1964, sob os princípios da democracia, considerando o golpe militar.

Haroldo explica que mesmo com esses momentos de tensão diplomática, nunca houve uma movimentação de forças militares de forma concreta na fronteira, nem da parte da Venezuela e nem da parte do Brasil. Até o momento, inclusive, o país continua mantendo relações de exportações para o país vizinho, o que inclusive auxiliou a economia de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela.

“Essas declarações não são nenhuma novidade numa história diplomática do Brasil e da Venezuela. Enquanto não houver efetivamente movimento de forças militares, eu acredito que se houver vai ser para aqueles exercícios tradicionais. Logo isso vai se transformar numa briguinha entre compadres”, avaliou Amoras. “Se houver um rompimento, é um puramente diplomático, de ‘punhos de seda’, como se diz”, concluiu.

Confira a entrevista na íntegra: