Sistema Socioeducativo de Roraima enfrenta desafios com aumento de adolescentes envolvidos com facções

O SSE conta com 32 internos distribuídos entre o Centro Socioeducativo (CSE) e o regime de semiliberdade

Os jovens que entram no CSE têm, em média, entre 16 e 17 anos. Foto: Nilzete Franco/FolhaBV
Os jovens que entram no CSE têm, em média, entre 16 e 17 anos. Foto: Nilzete Franco/FolhaBV

O envolvimento de adolescentes com facções criminosas tem desafiado o Sistema Socioeducativo (SSE) de Roraima, que hoje abriga 32 internos distribuídos entre o Centro Socioeducativo (CSE) e o regime de semiliberdade. Apesar de ter capacidade para 84 internos nas duas unidades e estar com ocupação de 38%, o crescimento da violência na realidade dos jovens e as dinâmica das infrações refletem a influência das organizações criminosas na trajetória desses adolescentes.

De acordo com o coordenador do SSE, Hugo Vissotto, desde a implementação do sistema em Roraima, em 2006, três gerações de internos foram observadas. A mais recente, marcada pela presença de facções criminosas, surgiu em 2018.

“A gente tem visto uma evolução. Nós assumimos o concurso em 2004 e tínhamos um público que atendíamos: eram os meninos que se envolviam com galeras. Hoje esse público foi evoluindo, infelizmente. Nós tivemos um público em 2005, um em 2012, um em 2018, que foi quando de fato as facções entraram e dominaram tanto o sistema prisional, como o sistema educativo”, detalhou Vissotto.

Hugo Vissotto é coordenador do SSE desde 2021. (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

As ideologias do crime ainda se entrelaçam com a dependência química, que atinge a maior parte dos internos. Segundo Vissotto, embora nenhum dos internos esteja no sistema por tráfico de drogas diretamente, todos cometeram atos infracionais contra pessoas, como latrocínio e roubo

“Considerando que o agravamento aqui fora do crime organizado e das doenças mentais provocadas pelo uso excessivo de álcool e outras drogas, praticamente mais de 90% dos adolescentes em cumprimento de medida fizeram uso de substâncias químicas e isso desencadeou, de alguma forma, um distúrbio. Isso agrava a questão da violência [dentro do CSE]”, afirmou.

O trabalho para ressocialização

Biblioteca literária do CSE (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

O Sistema Socioeducativo (SSE) é uma política pública, com medidas regulamentadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para adolescentes que cometem atos infracionais, visando a reabilitação e reintegração social. Para promoção dessa ressocialização, de acordo com Hugo Vissotto, o CSE conta com escola, biblioteca, quadra, além de outras salas para prática de habilidades como da música. Ao todo mais de 1.800 projetos de atividades e aprendizagens teriam sido realizados com os adolescentes no período de três anos, máxima para internação.

Quanto ao perfil desses jovens, o sistema socioeducativo roraimense tem idade a média de 16 a 17 anos. Além disso, 19% dos internos são migrantes venezuelanos e a taxa de reincidência, até 2022, estava em 2%. O que sugere pouco retorno de jovens ao crime e, consequentemente, à internação.

Uma efetiva reintegração social

Apesar do baixo número de reincidência, para o professor e doutor em Direito, especialista no Direito da Família, Mauro Campello, a efetiva reintegração social desses adolescentes depende fundamentalmente de abordagens que vão além do cumprimento de penas em unidades restritivas. Ou seja, concentradas apenas dentro da unidade. A participação da sociedade civil e do Estado deve ser mais ativa para garantir a real transformação dos jovens internos.

“É fundamental compreender que muitos desses jovens estão sendo atraídos para as facções devido à falta de perspectivas e à fragilidade da estrutura familiar. As facções oferecem a sensação de pertencimento e uma compensação simbólica que a sociedade não consegue fornecer. O SSE, ao tentar reabilitar esses adolescentes, precisa ter uma abordagem mais humana, que leve em consideração esses fatores sociais e emocionais, e não apenas o cumprimento de uma pena. […] O sistema socioeducativo deve ser uma oportunidade para a reabilitação, não um lugar de encarceramento sem perspectiva. Os profissionais precisam estar preparados para criar uma relação de confiança e ajudar esses jovens a reconstruírem suas vidas”, afirmou Campello.

Mauro Campello, professor de Direito na Universidade Federal de Roraima. Foto: arquivo/FolhaBV

Campello foi um dos responsáveis pela implantação do CSE. O primeiro a funcionar estava localizado no bairro Asa Branca. Mauro relembrou que na unidade, os adolescentes realizam mais atividades além do Centro Socioeducativo, com aulas em escolas próximas, o que facilitava a interação social.

O professor propõe ainda o fortalecimento das parcerias com organizações não governamentais, universidades e empresas privadas para criar programas de reabilitação que abordem as causas sociais do crime. Segundo ele, “é fundamental compreender que muitos desses jovens estão sendo atraídos para as facções devido à falta de perspectivas e à fragilidade da estrutura familiar”, defendendo que essas medidas podem transformar o sistema e proporcionar aos adolescentes a oportunidade de reconstruir suas vidas, prevenindo seu retorno à criminalidade.