FABRÍCIO ARAÚJO
Colaborador da Folha
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), anunciou que pretende regulamentar acordos entre comunidades indígenas e produtores rurais para que as terras demarcadas possam ser exploradas para atividades do agronegócio. O vice-coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Edinho Batista de Souza, se posicionou contra o anúncio e, em entrevista à Folha, também criticou o decreto que tornou a Fundação Nacional do Índio (Funai) uma pasta subordinada ao Ministério da Agricultura.
O vice-coordenador do CIR lembrou que as terras destinadas aos povos originários passaram por todo um processo legal e afirmou que não se trata de reservas indígenas, mas sim de terras indígenas. De acordo com ele, é um dever do governo federal cumprir a Constituição e garantir a demarcação e proteção delas.
“Queremos deixar bem claro que a posição do CIR quanto a esta decisão é que vemos como ilegítima e repudiamos o ato criminoso do presidente Bolsonaro contra os povos indígenas. A medida provisória do presidente de tirar o poder da Funai de proteger as terras indígenas e passar para o Ministério da Agricultura é uma afronta grave contra a própria Constituição Federal do Brasil. Fere a Constituição, que é maior que uma portaria, do que um decreto , do que uma medida provisória”, afirmou Edinho de Souza.
Ele aproveitou ainda para rebater as acusações de que os povos indígenas possuem um território muito grande. De acordo ele, 70% pertencem a ruralistas, enquanto apenas 15% estão com as comunidades indígenas.
Edinho Batista disse ainda que se trata de ter o direito de não “tomar agrotóxico”, pois hoje as terras indígenas são lugares livres de poluição, onde se encontram água potável, ar natural e solo sem contaminação. E que, por estes motivos, haverá resistência.
“Os povos indígenas, mesmo com este cenário, continuarão organizados, continuarão sendo um movimento. Continuaremos a nossa luta e não aceitaremos que sejam retrocedidas todas as conquistas que tivemos com muita luta, com muita lágrima e com muito sangue derramado”, afirmou.
INCRA – O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) será o responsável por mediar os acordos entre produtores e comunidades indígenas e também por fiscalizar as produções. O superintendente, Antônio Adesson Gomes, disse que a situação ainda é muito nova e precisa ser discutida e planejada, mas que não será um desafio porque é um trabalho que já foi realizado pelo instituto e que agora só estão recebendo o “pacote” de volta.
“É uma situação que irá, necessariamente, precisar de um planejamento, por ter ficado muito tempo afastado da gente. Nós transferimos, na época, glebas ao Estado. A competência nos fugiu e o governo federal transferiu recentemente glebas, então precisava se fazer uma avaliação de toda esta situação para termos um recomeço e com certeza isto irá depender de recursos financeiros tanto do governo federal, e acredito também que é preciso uma parceria com o governo do Estado para alavancar a regularização fundiária que Roraima tanto precisa”, explicou.
Para evitar conflitos, o superintendente disse que é necessário sentar para conversar com todos os lados.
“Eu não vejo como dificuldade. É uma questão de conciliar que esta produção venha dessas origens, seja ela do assentado e do indígena que possui a terra. Vejo como uma situação pacífica”.
Sobre o prazo e logística para os possíveis acordos, ainda não houve discussão. Tudo ainda é muito recente, mas um posicionamento oficial deve ser anunciado nas próximas semanas.
Produtores rurais têm posições divergentes
Genor Faccio, produtor rural, afirmou que não tem interesse em trabalhar em terras arrendadas. Seu foco são propriedades próprias. Faccio foi um pouco além e afirmou que se as terras não pertencerem a ele, não há o interesse, mesmo que seja de graça, porque o importante é ter uma fazenda própria em que se possa construir casa e ter uma produção com segurança de que se tem domínio sobre tudo.
“Eu já passei dos 60 anos de idade e só quero plantar nas minhas terras, não quero fazer filho na mulher dos outros. Eu não tenho interesse em terras indígenas nem em terras de terceiros. Agora, se me dissessem que eu iria voltar para a fazenda que eu tinha na Raposa Serra do Sol e que aquela fazenda seria minha, aí eu voltaria. Mas para voltar e pagar arrendamento em uma terra que foi minha, jamais”, relatou.
E ainda que fosse para retornar nestas condições, Faccio disse que seria complicado. “Saímos em um tempo curto e para desmanchar as casas, foi bem rápido, mas para construir de novo é muito lento”.
A Folha também conversou com o agropecuarista Paulo César Quartiero. Questionamos se pretendia investir em arrendamentos nas terras indígenas bem como se já havia algum plano especifico, se considerava um bom negócio e como isso impactaria a sua produção. As respostas foram objetivas para as quatro questões, sendo “não” para as três primeiras e “em nada” para a última.
“Não há terras indígenas, todas são da União. A pergunta é se quer plantar em terras do governo. Ser arrendatário do Estado. O governo toma as terras do setor privado, seja com a desculpa indígena, quilombola, ou ambiental, e depois arrenda as mesmas áreas para o expropriado. Transforma o produtor de proprietário em concessionário de áreas públicas”, justificou Quartiero.
O agropecuarista ainda acrescentou que “se não mudar a política do governo federal para Roraima é impossível ter um projeto de desenvolvimento para o Estado”. (F.A)