FABRÍCIO ARAÚJO
Colaborador da Folha
Uma funcionária do Conselho Tutelar – Território I, localizado no Centro da cidade, foi ameaçada de morte quarta-feira, 9, durante um atendimento. Em entrevista à Folha, trabalhadores do local afirmaram que situações semelhantes são comuns e destacam não se sentirem seguros desde abril de 2016, quando a Prefeitura de Boa Vista retirou os guardas municipais que atuavam no prédio.
Embora os funcionários tenham optado por não se identificar, as informações foram confirmadas pelo conselheiro Eberson Peres. De acordo com o relato deles, na última quarta-feira, um homem chegou ao prédio acompanhado de duas crianças afirmando que tinha vindo do Estado de Rondônia, pegando carona, após ele e os filhos terem sido abandonados por sua mulher.
Quando questionado sobre onde estava abrigado, o homem disse que vivia na rua. A funcionária informou que, neste caso, as crianças estavam em situação de vulnerabilidade e que tentaria uma vaga em uma casa de passagem, mas se não conseguisse o conselho tutelar precisaria tomar outras providências para garantir a integridade dos filhos.
“Então ele começou a se exaltar, disse que ela tinha ‘duas caras’, que não queria ajudar e que era igual a todo mundo e se levantou, chegou perto da mesa e a funcionária disse que se ele continuasse exaltado, teria que chamar o 190 [Polícia Militar], quando se exaltou ainda mais”, comentou uma trabalhadora do conselho tutelar.
Ainda de acordo com o relato da trabalhadora, após isso, o homem disse que mataria a funcionária, bateu na mesa, apontou o dedo para ela e afirmou que a buscaria até no inferno se fosse preciso. Logo depois, se retirou do local com as crianças e saiu batendo nos vidros das janelas. Com medo, outra funcionária trancou a porta do prédio.
“Ele deixou um balde aqui com muitas coisas das crianças, como roupas. Retornou para buscá-lo e quem estava aqui já era a conselheira e, da porta mesmo, ela entregou o balde e ele foi embora.”
Embora a situação pareça muito fora do comum, os funcionários do local afirmaram que lidam com pessoas nervosas querendo soluções que não podem ser oferecidas constantemente. “É comum virem menores infratores que fogem do abrigo. Já encontraram alguns armados. A conselheira já teve um caso de um que queria usar um lápis para furar ela”.
Outro funcionário que também não quis se identificar por medo de retaliação disse que já teve de lidar com outras situações de risco, inclusive em outros prédios. “Já recebi diversas ameaças de morte, mas não registrei. Teve um caso em que uma mulher chegou a ‘puxar’ uma tesoura para mim. O ambiente é uma bomba-relógio”.
INSEGURANÇA E PROBLEMAS ESTRUTURAIS
Além da insegurança, trabalhadores reclamam das condições estruturais e falta de higiene, inclusive, no dormitório (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)
Em 2016, a Guarda Civil Municipal foi retirada do local por ordem da Prefeitura de Boa Vista. Desde então, os funcionários do Conselho Tutelar sofrem com a falta de segurança durante o trabalho.
Em 4 de abril de 2016, um primeiro ofício foi enviado à Secretária Municipal de Segurança Urbana e Trânsito (SMST) questionando a retirada da guarda e alegando que a decisão foi tomada com base em um conversa informal com apenas um dos conselheiros do local.
Em 6 de fevereiro de 2018, um novo ofício foi enviado à SMST solicitando mais uma vez o retorno da Guarda Municipal para atuação no prédio do Conselho Tutelar.
A resposta recebida no ano passado foi que, devido à grande demanda e efetivo reduzido, não havia como atender a solicitação, “pois já são mais de 30 postos nos quais temos guardas civis municipais 24 horas, sendo alguns com apenas um guarda, o que não é suficiente, e teríamos que ter no mínimo dois guardas no posto de serviço”.
“Quando eu fui à reunião, disseram que tem muitas praças que a prefeita fez e que demanda efetivo da Guarda Municipal, mas eu entrei no conselho há 13 anos e sempre teve guarda”, comentou um dos funcionários.
O conselheiro Eberson Peres confirmou que o Conselho Tutelar – Território I está sem a presença da Guarda Municipal desde 2016 e que isto tem comprometido a segurança dos funcionários que atuam no local.
“Este é um órgão independente e ele deve ser mantido pela prefeitura com material humano, estrutural, tudo, inclusive a segurança, já que é uma recomendação do Ministério Público que haja guardas municipais para manter a segurança. E assim foi feito, havia guardas, mas foram retirados”, afirmou Peres.
O conselheiro aproveitou ainda para nos mostrar o estado em que o quarto de descanso dos funcionários noturnos se encontra. Havia um forte cheiro de mofo no local, duas camas de solteiro e três colchões desgastados. Segundo os trabalhadores, tudo foi doação de antigos colegas.
Neste quarto de descanso, já foram encontrados lacraias e um besouro que suspeitam ser um barbeiro e ratos.
“Eu, enquanto conselheiro, precisava que alguém fizesse esta denúncia na condição de funcionário para mostrar a situação. Se a pessoa, em tese, é obrigada a tirar o serviço no local de trabalho, o mínimo é ter estrutura para isso. E faz tempo que estamos batendo nisso. Comunicamos a prefeitura sobre o problema e a resposta sempre é que precisa ser orçado e nunca dá em nada”, relatou o conselheiro.
Prefeitura não responde sobre denúncia
A Folha entrou em contato com a Prefeitura de Boa Vista solicitando esclarecimentos quanto à situação denunciada pelos trabalhadores do Conselho Tutelar – Território I. Foi questionado por que os ofícios não foram atendidos, se há um plano para lidar com a segurança do local e se nunca houve investimentos no quarto que foi apresentado à reportagem, bem como se pretendiam mudar a situação, mas até o fechamento da matéria não houve resposta. (F.A)