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Desde que foi criada, há 58 anos, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) vem sendo atacada, perseguida, sucateada e estigmatizada por sua atuação em favor dos povos originários, sempre colocada como autora de um poder que administrativamente nunca possuiu. Mesmo demonizada pelos poderosos de plantão, o órgão indigenista, historicamente, nunca passou de um agregado de ministério – atualmente do Ministério dos Povos Indígenas.
Não se pode ignorar o contexto em que a Funai foi criada, em 5 de dezembro de 1967, para substituir o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), acusada dos mais severos crimes humanitários contra os povos indígenas, conforme apontou o Relatório Figueiredo, que apurou as atrocidades praticadas contra indígenas de todo o país, como matanças de comunidades inteiras, torturas e crueldades das mais repugnantes praticadas principalmente por latifundiários e funcionários do próprio SPI.
O relatório apontou caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povos isolados e até doações criminosas de açúcar misturado com o veneno estricnina. Não são quaisquer acusações ou “pregação ideológica”, pois o documento é resultado de uma criteriosa investigação feita em plena ditadura militar, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, em 1967.
Foi nesse contexto que surgiu a Funai, que somente mais de meio século depois teve o seu poder de polícia regulamentado, mas não por vontade própria do Governo Federal, e sim por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) em atendimento a uma ação ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Ainda que essa regulamentação não represente mudanças substanciais no papel que a Funai já vem desempenhando desde 1967, ressurgem os mesmos ataques do passado e praticados pelos mesmos personagens de outrora: políticos representantes de latifundiários e garimpeiros, além de ruralistas, madeireiros e grandes mineradoras.
A acusação é de que o poder indigenista de polícia vai “acirrar conflitos”, provocar “insegurança jurídica” e outros argumentos já utilizados para defender o marco temporal. No entanto, tudo aquilo que está regulamentado no decreto sempre foi desemprenhado pela Funai sob parceria ou cooperação com outros órgãos ambientais e de segurança pública, como Polícia Federal, Forças Armadas e as forças auxiliares estaduais.
A própria estrutura do órgão indigenista foi um impedimento para uma atuação mais efetiva, sem verbas suficientes para as ações e com um quadro de pessoal defasado em número de efetivo e de faixa salarial. O que tornou a Funai grande, a ponto de ser demonizada pelos inimigos dos povos indígenas, sempre foi o esforço de seus servidores, que estão nesse órgão não apenas por salário e reconhecimento, mas por convicção na defesa dos povos indígenas.
A precarização da Funai pôde ser vista nesses últimos meses, quando agentes de proteção seletivados em Roraima terminaram o ano de 2024 sem o salário de dezembro e sem o pagamento do 13º salário. Como não havia previsão de receber o salário de janeiro de 2025, foram mandados para casa. E ainda sem a alimentação que era paga aos que iam para o território indígena. Passando por duras privações financeiras, essas pessoas tiveram que procurar trabalho como motoristas de aplicativos, mototaxistas, domésticas etc.
Essa é a realidade da Funai que está sob ataque dos políticos e dos mesmos poderosos que mandavam no SPI do passado, mesmo que esse poder de polícia concedido hoje não represente nenhuma mudança concreta na atuação do órgão indigenista, pois sequer o uso de arma de fogo pelos servidores foi aprovado pelo Congresso. Os anti-indígenas não perdem tempo em atacar os direitos dos povos originários.
*Colunista