A possível extinção da Justiça do Trabalho motivou juristas e membros de movimentos populares a se reunirem em protesto na manhã de ontem, 21, no Fórum do Tribunal do Trabalho, localizado no Centro, para declararem repúdio às recentes declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), sobre os direitos trabalhistas.
Em uma entrevista ao SBT, no início do mês, ele disse que o Judiciário trabalhista é caro, o único no mundo e que demanda um “excesso de proteção” aos trabalhadores devido ao alto número de ações, que ele afirmou ser em média de quatro milhões por ano.
O “Ato em Defesa dos Direitos Sociais e da Justiça do Trabalho” aconteceu em todo o País com o objetivo de chamar a atenção para as possíveis perdas dos direitos sociais dos trabalhadores, caso ocorra a extinção da Justiça do Trabalho, conforme cogitado por Bolsonaro. Para os manifestantes, os prejuízos tiveram início com a reforma trabalhista de 2017 e podem se agravar sem o acesso ao Judiciário.
Florany Mota, presidente da Associação Roraimense da Advocacia Trabalhista (ARAT), diz que uma das principais preocupações para a classe está na tramitação, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 300/2016, que visa ampliar a jornada de trabalho para até dez horas diárias e diminuir o prazo de dois anos para o ingresso de ação trabalhista, passando para três meses.
“Movimentaram a PEC em pleno recesso do Congresso Nacional, o que significa que, após a posse dos novos deputados e senadores, seja do interesse do governo em tramitar com celeridade essa proposta. Isso é um retrocesso muito grande para todos os trabalhadores e dos direitos sociais conquistados a duras penas que estão previstos na Constituição Federal”, explicou.
A presidente da ARAT ressaltou que a extinção ou transferência da Justiça do Trabalho para outras esferas cíveis representaria a ausência de uma especialização para as ações trabalhistas, impactando a sociedade e também advogados da área.
“Alguns mitos precisam ser desmistificados. A Justiça do Trabalho não existe só no Brasil, não é a mais cara do mundo. Sem a Justiça do Trabalho, não existe justiça social”, completou.
PRÓXIMOS ATOS – Coordenado pela Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT), uma nova manifestação está prevista para ocorrer em 5 de fevereiro, em Brasília. O ato também será organizado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também estará presente manifestando apoio.
Instituições aderem a movimento e relatam perda de direitos sem Judiciário
A Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Roraima (OAB-RR) declarou apoio às manifestações e classificou a possibilidade da extinção da Justiça do Trabalho como um “retrocesso”. Conforme apontou o presidente da instituição, Ednaldo Vidal, um dos parâmetros da OAB é a defesa dos direitos sociais e humanos.
“O que existe hoje é uma tendência à fragilização das relações de trabalho. Com a extinção do Ministério do Trabalho e essa tendência à reforma dos direitos sociais e trabalhistas, o que observamos é uma ameaça concreta”, relatou a vice-presidente da instituição, Clarissa Vencato.
Ela justificou que sem a Justiça do Trabalho, não haveria a atenção necessária nas ações trabalhistas em tramitação e ampliaria o desequilíbrio entre as duas partes.
“Isso impediria a proteção integral que o trabalhador merece para equilibrar essa relação e fazer valer os direitos trabalhistas que muitas vezes são mascarados por meio de contratos fraudulentos e relações de trabalho abusivas”, prosseguiu.
MULHERES – As mulheres seriam as mais prejudicadas, caso a Justiça do Trabalho deixasse de existir, defendeu a presidente do Núcleo de Mulheres de Roraima (Numur), Andrea Vasconcelos. De acordo com ela, na sociedade ainda há segmentos de mulheres que têm os direitos negligenciados, principalmente as que trabalham em empresas terceirizadas e em serviços mais precários.
“Às vezes, são dispensadas sem os pagamentos dos seus direitos trabalhistas mínimos. Então, a Justiça do Trabalho serve para atender essas mulheres, acabar com [o Judiciário] é um grande retrocesso no Brasil e vai ter um impacto muito negativo na vida das mulheres, nas domésticas e as que trabalham em empresas de menor porte”, criticou.
Segundo a presidente do Numur, há mulheres que trabalham em setores mais vulneráveis cujos direitos trabalhistas não chegam a atender em sua plenitude, como as empregadas domésticas, sendo a grande maioria composta por negras e pobres, que não possuem a carteira de trabalho assinada.
“Ainda tem aqui em Roraima a prática de trazer mulheres indígenas que moram no interior para as casas de família, com o discurso de ajudar, mas na verdade é uma exploração do trabalho e, se não tem uma justiça que ampare, quem essa menina ou jovem vai procurar para ser ajudada?”, questionou. (A.P.L)