“Neste local, funciona o aterro sanitário de Boa Vista e o acesso só é permitido aos funcionários da empresa responsável pela administração”. As palavras estampadas na placa que estabelece o acesso proibido ao lixão municipal limitaram a vida dos catadores de materiais recicláveis em Roraima.
Em outubro de 2017, o Ministério Público do Trabalho (MPT) proibiu a presença de catadores após constatação de crianças e adolescentes coletando lixo. O tráfego de carretas e caminhões de lixo continua intenso diariamente, mas uma cerca de concreto estabelece os limites que não devem ser ultrapassados pela população.
A situação dos catadores já foi relatada diversas vezes pela Folha, do momento em que saíram do aterro com as promessas de emprego e apoio por parte da Prefeitura de Boa Vista até hoje, quando encontram dificuldades para manter a renda mensal sem ter acesso aos materiais que poderiam ser reaproveitados.
Diante dos problemas, alguns chegaram a enfrentar trilhas clandestinas para conseguirem alcançar o topo do lixão e recuperarem o máximo possível de materiais, mas a obra da prefeitura para a construção da cerca, avaliada em um total de R$ 1.284.093,09, contemplou também o fechamento das aberturas feitas nos arames para que pessoas pudessem adentrar o local.
Berlinda Carlos, vice-presidente da Associação Terra Viva, relatou que houve um cadastramento das pessoas que trabalhavam no lixão, porém ninguém foi chamado. Antes, os catadores chegavam a lucrar, em média, R$ 900 ou mais, dependendo do tempo de serviço na semana. Agora, fazendo a coleta de papelão, papéis, garrafas pet e metais nos supermercados da cidade ou por meio de doações, o que se arrecada mal chega a R$ 150.
Além da falta de um programa que defina a coleta seletiva dos materiais, que dificulta cada vez mais a venda dos produtos para empresas, há a competição com imigrantes que também procuram coletá-los como meio de sobrevivência.
“São pais de família e a única solução é continuar tentando entrar no aterro. Não deram emprego e alguns estão aqui ainda esperando serem chamados para trabalhar na Sanepav”, disse.
Na venda, a garrafa pet custa R$ 0,40 o quilo, mesmo valor do papelão. O metal chega a R$ 0,50. O vidro não tem uma destinação correta, mas está sendo armazenado com a ideia de ser usado para artesanato.
Catadores se ajudam para completar renda
São 33 pessoas trabalhando ativamente na associação, sendo a maior parte composta por mulheres. Charana Souza é uma delas. Principal provedora da casa que divide com dez pessoas, ela contou que foi colocado à disposição um caminhão para ajudar na coleta, mas tem horário para funcionar, sendo somente de segunda a sexta-feira.
“A queda de ‘salário’ foi um impacto muito grande para mim porque pensei que ia ganhar mais. Foi tão grande que eu quis ir embora e catar nas ruas. O que a gente luta muito é pela implantação da coleta seletiva, mas nunca aconteceu. Há algumas residências que deixam, outras querem vender, mas não temos dinheiro para comprar”, lamentou.
A catadora classifica a Associação Terra Viva, que fica no bairro Nova Cidade, como um lugar de “sobrevivência” e afirma que todos dão suporte uns aos outros para alimentação, já que alguns perderam o benefício do Bolsa Família por terem procurado outro tipo de renda. Ela completou dizendo que é preciso acabar com o estigma de que são catadores de lixo, mas sim pessoas que fazem um trabalho ambiental.
Ações estão aguardando resultado de recursos
Em 2016, o Ministério Público Federal solicitou diversas providências, em caráter liminar, no intuito de evitar novos danos ambientais decorrentes do nível de poluição em que se encontrava, e se encontra, o aterro sanitário.
“No entanto, o juiz atuante na 1ª Vara Federal só analisou a ação em 15 de agosto de 2018, ou seja, quase dois anos depois, quando decidiu pela incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual”, informou em nota enviada à reportagem.
O MPF recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no intuito de manter o processo no âmbito da Justiça Federal. No momento, aguarda-se decisão favorável à manutenção do processo na esfera federal.
JUSTIÇA FEDERAL – A Justiça Federal informou que são três processos sobre o aterro sanitário em tramitação. O primeiro, que trata da ação civil pública movida pelo MPF, está em grau de recurso após decisão determinando a remessa para a Justiça de Roraima.
A segunda tem como objetivo a apuração de dano à saúde humana, mortalidade de animais e destruição de flora através de lançamento de resíduos sólidos e líquidos em desacordo com a legislação.
Sobre essa ação, em 12 de setembro de 2018, foi proferida sentença pelo não recebimento da denúncia. Também está em grau de recurso. E a terceira trata de crimes ambientais e apura a poluição física, química e biológica ao meio ambiente. Encontra-se na fase de instrução/interrogatórios.
Sanepav garante monitoramento 24h
Por telefone, Ítalo Melo, gerente operacional da Sanepav Saneamento Ambiental Ltda., empresa responsável pela operação do aterro sanitário, garantiu que não há mais catadores dentro do lixão e que a empresa fez toda a recuperação da cerca para evitar que pessoas entrassem no local.
“Diariamente, eles tentam entrar. Quando conseguem, são abordados pela vigilância armada e conduzidos para fora dos limites do aterro. Temos uma equipe 24horas. São os antigos catadores que tentam insistir”, explicou. Sobre as ações judiciais em trâmite na Justiça Federal, Melo afirmou que se trata da empresa anterior e que a Sanepav não tem ligações com os processos.
PREFEITURA – A equipe de reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Boa Vista para saber os motivos pelos quais os catadores ainda não receberam a assistência por parte do município, porém, não obteve retorno até o fechamento da matéria. (A.P.L)