O alto número de cargos comissionados recém-nomeados no governo do Estado resultou em uma recomendação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público de Roraima (MPRR). De acordo com levantamento dos órgãos fiscalizadores, as nomeações, muitas delas de parentes, custariam R$ 250 milhões ao ano, justamente em um período de crise econômica.
A notificação recomendatória conjunta nº 001/2019 foi expedida quinta-feira, 31, porém, só foi divulgada na sexta, 1º. A recomendação foi feita com base no procedimento nº 000234.2018.11.001/1 do MPT.
No documento, o procurador do Trabalho Márcio Aguiar Ribeiro e o promotor de Justiça Hevandro Cerutti citam “desproporção entre cargos comissionados e temporários, e cargos efetivos existentes na estrutura dos órgãos e entidades do Estado”.
Os órgãos de fiscalização apontam, com informações prestadas pelo próprio governo do Estado, que 35% dos servidores da folha de pagamento ligados à administração direta eram cargos comissionados ou temporários.
Ou seja, dos 20 mil servidores, sete mil ingressaram nos quadros do Poder Público sem observância da regra do concurso público, o que vai de encontro ao que determina a Constituição Federal.
As publicações no Diário Oficial do Estado (DOE) também foram citadas pelos órgãos, ao dizer que a atual gestão vem realizando nomeações em número desproporcional, a exemplo da Secretaria de Estado do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes), que nos dias 2 de janeiro e 30 de janeiro nomeou 280 servidores em cargo de comissão, algo já divulgado pela Folha.
Vale ressaltar que inicialmente a primeira-dama, Simone Denarium, foi anunciada como titular da Setrabes, ainda durante o período da intervenção federal. Porém, no dia da posse dos novos secretários, foi a cunhada do governador, Tânia Soares, que assumiu a pasta.
Recomendação é que governo do Estado adote 14 medidas
O MPT e o MPRR recomendam que, a partir do recebimento do documento, o governo passe a adotar 14 novas medidas para administrar o Poder Executivo. Inicialmente, são as ações relacionadas ao provimento irregular de cargos públicos na administração estadual.
A primeira é que o governo se abstenha de admitir/contratar servidores e empregados públicos em seu quadro pessoal; em seguida, que passe a observar o que é disposto na Constituição Federal de 1988 quanto às funções de confiança que se destinam exclusivamente aos cargos de direção, chefia e assessoramento, não para atividades burocráticas.
Um terceiro ponto é que o Poder Executivo observe o equilíbrio entre o número de servidores comissionados e os de carreira, além da necessidade de demonstração prévia de qualificação profissional para o desempenho das atividades.
O governo deverá também, caso atenda à quarta medida, encaminhar no prazo de dois meses um projeto de lei à Assembleia Legislativa deixando claras as atribuições dos cargos em comissão. Em quinto lugar, o Poder Executivo deve promover contratação temporária somente em casos excepcionais.
Em sexto ponto, os órgãos definem como casos excepcionais as contratações que visem combater surtos epidêmicos; atender situações de calamidade pública ou outras de emergência.
O Poder Executivo deverá também passar a publicar em site institucional a relação atualizada de todos os nomeados em funções de confiança e que passe a adotar sistema de ponto eletrônico para identificação biométrica para controle de frequência. Após adotar todas as medidas, a administração estadual deve ainda encaminhar lista atualizada de todos os servidores e empregados públicos no prazo de um mês para o MPRR e o MPT.
Exoneração de parentesdeve ser feita em até 30 dias
Com relação à prática de nepotismo na administração pública, os órgãos recomendaram que o governo exonerasse, em até 30 dias, todos os ocupantes de cargos comissionados ou funções gratificadas que sejam cônjuges ou que tenham relação de parentesco consanguíneo ou por afinidade com o governador, vice-governador, os secretários estaduais, procurador-geral do Estado, presidentes ou dirigentes de autarquias, bem como todos os ocupantes de cargos de direção, chefia e assessoramento.
O Poder Executivo também deverá se abster de contratar parentes mediante dispensa ou inexigibilidade de licitação ou para atender necessidade excepcional, salvo se a contratação for procedida de regular processo seletivo. Por fim, que os nomeados a cargos comissionados declarem por escrito que não possuem relação familiar ou de parentesco com a equipe do governo.
Ao fim do prazo, o Poder Executivo terá mais dez dias, depois do período de um mês para se adequar, para encaminhar cópias dos atos de exoneração e rescisão contratual para o MPRR e o MPT. No caso de não atendimento das medidas, os órgãos afirmam que poderão adotar medidas para impedir ato de improbidade administrativa.
Órgãos querem garantir ingresso no serviço público por concurso
Conforme o procurador do Trabalho Márcio de Aguiar Ribeiro, a recomendação tem por objetivo a lisura nas contratações.
“A administração pública deve pautar-se pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de garantir a investidura no serviço público com base na Constituição Federal”, destaca.
O promotor de Justiça Hevandro Cerutti afirma que a intenção é realizar um trabalho conjunto semelhante em outros órgãos, a exemplo dos ligados ao município, Câmara Municipal e Assembleia Legislativa do Estado.
“A finalidade é garantir que o ingresso no serviço público seja assegurado por meio de concurso público. O que se percebe é que há desproporcionalidade entre concursados e cargos comissionados e temporários, sendo que estes últimos devem ser a exceção e não a regra”, conclui.
Governo do Estado diz que respeita ‘meritocracia’
Após a divulgação da recomendação do MPT e MPRR, a Folha entrou em contato com o governo do Estado para saber se a administração queria se posicionar sobre o assunto, considerando as alegações dos órgãos.
Sobre o caso, a Secretaria Estadual de Comunicação (Secom) informou apenas que o governo de Roraima “adota critérios que respeitam a meritocracia para a contratação dos servidores estaduais e busca valorizar as qualificações dos servidores para melhor desenvolvimento do Estado”, mas não afirmou se irá adotar as medidas propostas pelos órgãos de fiscalização. (P.C.)