Cotidiano

Em um ano, Roraima registra quase 340 homicídios

Grande parte dos crimes está associada à guerrilha imposta por facções criminosas. Em geral, foram praticados com uso de armas de fogo e brancas

De janeiro do ano passado a janeiro deste ano, a Folha fez um levantamento baseado nas publicações do jornal e constatou que 337 homicídios foram noticiados nesse período. Grande parte dos crimes está associada à guerrilha imposta por facções criminosas. Em geral, foram praticados com uso de armas de fogo e brancas. As mortes ocorreram no interior do Estado e em Boa Vista.

Em janeiro do ano passado, a Folha contou 26 casos, que também foram registrados nas delegacias. Em fevereiro, 14; março, 28. Em abril, 22 pessoas foram assassinadas. No mês seguinte, 21 novos casos deixaram a população assustada. No último semestre do ano, o número de crimes aumentou significativamente, iniciando junho com 19 mortes. Em julho, 25 assassinatos noticiados pelo jornal, já em agosto, 21 homicídios.

O maior número de crimes contra a vida se deu em setembro, quando publicamos 47 casos. Em outubro, contamos mais 34 mortos, em novembro, 36, e em dezembro, 26 homicídios levantados pela equipe de reportagem.

Em janeiro deste ano, foram 18 casos. A expectativa da Polícia Civil é de que o número mantenha-se reduzido. Apesar disso, quem mora em Boa Vista continua sobressaltado com a onda de violência.

O funcionário público Fábio Silva revelou seu sentimento de insegurança ao transitar pelas ruas da capital, especialmente durante a noite.

“Mesmo no carro, eu vivo amedrontado. Tem muita gente de bem sendo atacada por criminosos. Nem durante o dia eu me sinto seguro. Ninguém pode andar com celular, com carteira, com mochila, com cordões ou anéis porque vira alvo dos bandidos. Somente nesta semana, eu li muitas matérias de jornais sobre assaltos, sobre mortes com requintes de crueldade, pessoas amarradas e perfuradas com faca. Isso é uma coisa muito séria e me deixa preocupado”, declarou.

A dona de casa Márcia Feitosa, que mora no bairro Sílvio Leite, informou que teme pela vida dos filhos ainda adolescentes.

“Tenho dois meninos, um tem 15 e outro 17 anos. Todos os dias preciso conversar com eles sobre essas mortes, sobre o envolvimento com facção criminosa que sempre vai resultar em morte, sobre o tráfico de drogas. Eles me escutam. São meninos que eu tenho acompanhado com rédea curta’, atenta aos comportamentos, às amizades, às conversas nos celulares e quando tem caso de morte de jovens e as fotos chegam pelo WhatsApp, eu faço questão de mostrar para eles, que precisam saber que o crime não compensa e o fim é muito triste. As mães são as que mais sofrem”, explicou.

Especialista aponta meios parareduzir número de homicídios

Para esclarecer dúvidas sobre o assunto e detalhar quais seriam as melhores estratégias de combate ao crime, conversamos com a socióloga e bacharel em Segurança Pública Carla Domingues. Ela explicou que atribui os índices de violência à falta de uma política de Estado que foque na valorização da educação, na geração de emprego e renda, saúde e segurança, o que fez com que nos tornássemos reféns da criminalidade.

“A barbárie que vemos hoje nada mais é do que a ausência do Estado e o crescimento do poder paralelo que ‘abraça seus irmãos’ fazendo-os cumprir à risca as ordens recebidas de seus ‘superiores’, seja dentro ou fora das unidades prisionais”, declarou Carla.

A socióloga reforçou que a melhor estratégia para coibir o aumento das ações das facções criminosas são projetos sociais que trabalhem de forma efetiva com o jovem e a família.

“A forma repressiva adotada pelo Estado para barrar o crime, a meu ver, é ineficaz e age de forma paliativa, quando resolve aumentar o número de viaturas nas ruas, por exemplo. Não precisamos inventar a roda, mas agir de forma preventiva em áreas com alto índice de criminalidade, incentivando o policiamento comunitário, levando dignidade aos moradores, proporcionando-lhes o mínimo de qualidade de vida, investindo em saneamento básico, escolas, creches e postos de saúde”, enfatizou.

Segundo a especialista, não há dúvida de que os homicídios estão ligados à briga pelo controle do tráfico de drogas.

“O traficante rival quer expandir seu território e para isso invade a área ocupada por outra facção culminando nos homicídios que estampam as manchetes dos jornais. O crescente aumento no número de homicídios demonstra que algo precisa ser revisto na atuação do Estado frente ao crime organizado. Há necessidade que os gestores façam um planejamento estratégico de suas ações a curto, médio e longo prazo unificando as ações das forças policiais”, alertou.

Por fim, Carla disse não acreditar que o fator primordial da redução dos homicídios tenha sido a intervenção no sistema prisional. Para isso, ela afirma que teríamos que analisar todo contexto ocorrido em setembro de 2018 para depois comparar a janeiro de 2019.

“Acredito que fatores como o caos na economia do Estado que levou ao atraso salarial, falta de combustível nas viaturas para atender as ocorrências corroboraram para esse número expressivo de homicídios. O crime organizado é oportunista e age na ausência do Estado”, concluiu a especialista em Segurança Pública e Cidadania.