O primeiro mês do ano se inicia com o objetivo de que os brasileiros cuidem da saúde mental e emocional. Por isso, desde 2014, profissionais de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, começaram a campanha “Janeiro Branco”, ideia que se enraizou pelas demais regiões do País. Em Roraima, pouco se comentou sobre as ações realizadas por psicólogos e psiquiatras nesse período. Além disso, há um mito de que os atendimentos terapêuticos devem ocorrer apenas quando os pacientes estão em total desequilíbrio.
A reportagem da Folha conversou com alguns pacientes sobre os resultados positivos que obtiveram diante dos quadros de conflitos internos que causaram alteração no comportamento, nas relações interpessoais e na rotina.
A estudante de educação física Mônica Eduarda Silva Pereira, de 19 anos, foi uma das pessoas que resolveram procurar um profissional de saúde mental, mas relutou por acreditar que conseguiria superaros problemas sozinha. Somente após ser pressionada pela família, compreendeu que a consulta com o profissional era a melhor alternativa.
“O maior motivo para eu ter procurado foi o fato de eu não saber lidar com algumas situações que aconteciam em casa, no meu dia a dia e eu não sabia o que fazer. Eu fui para perguntar o que eu devia fazer. Com isso, comecei a fazer terapia uma vez por semana. Aquela hora de terapia é como se minha cabeça passasse por uma faxina. Eu conseguia colocar tudo para fora e eu mesma achava a solução para os meus problemas. Isso é maravilho. Eu via que conseguiria sozinha, mas precisei ser orientada, por isso é importante procurar o profissional”, declarou Mônica.
A jovem relatou que o sentimento durante as sessões era de frustração e de esclarecimento, mas se tivesse abandonado o tratamento, não teria encontrado as respostas que procurava. “Eu aconselho a quem esteja sofrendo algum tipo de transtorno para procurar um profissional e não desistir na primeira vez, não vai ser de uma hora para outra que terá o resultado, você tem que persistir. Se não der certo em um psicólogo ou psiquiatra, procura outro porque a resposta está dentro de nós, a cura para o problema está dentro de nós, só precisamos de ajuda para encontrar”, reforçou a universitária.
Quem também procurou o serviço de psicologia e psiquiatria foi a auxiliar administrativa Claudiane Martins Silva, de 42 anos, depois de desenvolver um Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). “Desenvolvi uma mania de limpeza e esse problema foi se agravando. Quando eu não estava no trabalho, ficava o tempo todo limpando a casa, arrumava, a pia não poderia estar molhada. Se eu fizesse comida, tinha que limpar a pia antes e depois que terminasse de usar. Era algo mais forte do que eu. Chegou ao ponto de eu comprometer minha relação com meus familiares. Eu queria que tudo estivesse limpo. O sujo me incomodava. Se eu ficasse em casa o dia todo, ela teria que ser limpa pela manhã e à tarde, eu tinha que lavar o banheiro todos os dias. Então, chegou a um ponto que isso estava sendo carregado para o trabalho”, confidenciou.
Quando a situação estava fora de controle, uma colega de trabalho sugeriu um acompanhamento com um psicólogo. “Quando eu procurei o profissional, fiz quatro meses de terapia e os resultados para mim foram bons porque hoje eu já consigo chegar em casa e não me preocupar tanto com limpeza. Consigo descobrir prazer em outras coisas, porque no decorrer desse processo, era uma coisa que tinha tanto domínio da minha pessoa que eu limpava tudo e quando eu terminava, que já estava tudo limpo e arrumado, a sensação era de vazio, um vazio enorme. Era algo que já comprometia o meu emocional. A ajuda do psicólogo foi fundamental. Hoje, em vez de limpar, eu consigo fazer uma atividade física, consigo ler um livro, ver um filme, sair para tomar café com um amigo, jogar conversa fora e antes não era assim. Confesso que demorou muito para eu admitir que aquilo estava se tornando uma doença e que eu precisava de ajuda. O primeiro passo é você reconhecer que aquilo não é normal e que você não está bem, que sozinho não dá conta. Depois que se admite que precisa de ajuda, tudo fica muito mais fácil”, ressaltou.
A professora Ana Maria Domingues D’Elia, de 59 anos, revelou que faz tratamento há 27 anos porque acredita que sempre teve tendência a ser depressiva. “Depois que tive meu primeiro filho, desenvolvi depressão pós-parto e ela nunca mais me largou. Eu me trato constantemente porque sou casada com um psiquiatra, então isso facilitou muito. Logo que comecei a apresentar os sintomas, na época quase ninguém falava muito em depressão, meu esposo indicou que eu procurasse um psiquiatra no Rio de Janeiro e sempre que eu ia ao Rio, me consultava com ele”, frisou.
Outro fator citado por Ana D’Elia foi a alteração hormonal após entrar na menopausa. “Então, eu acho que tenho que procurar uma psicóloga, porque o corpo envelhece, mas a cabeça não acompanha, então a gente ‘cai na real’ de que tem certos limites. Tinha situações que antes eu desenvolvia e na minha cabeça penso que ainda tenho condições de desenvolver e isso é uma coisa muito louca da idade. Eu vejo uma necessidade de procurar psicólogo para que se consertem certas situações. Eu tenho uma tatuagem de um ponto e de um vírgula que é símbolo da campanha mundial de combate à depressão. É uma doença cheia de altos e baixos. É uma coisa que eu sempre procurei tomar a medicação do jeito certo. Eu tenho medo porque já tive depressões muito profundas. Sou extremamente sensível e meio louca. A gente tem que se conhecer para ter parâmetro em certas situações. Muita gente não sabe, não percebe e muita gente não aceita a depressão, embora seja a doença do século”, complementou. (J.B)
SEM INTERRUPÇÃO
Psicólogas mostram importância do acompanhamento profissional
A Folha conversou com três psicólogas sobre a importância do acompanhamento e de manter a saúde mental. Conforme Eloísi Balsaneli, as pessoas podem e devem buscar a psicoterapia sempre que sentirem dificuldades para, sozinhas, lidarem com seus sentimentos.
“Afinal de contas, todos nós temos amor, desejos, raiva, inveja, medos, agressividades e frustrações, mesmo muitas vezes sendo difícil ou doloroso perceber isso. A psicoterapia não é benéfica apenas para quem vivencia algum transtorno ou crises profundas, mas sim para quem deseja se [re]encontrar consigo mesmo e com sua própria história. É um espaço para se expressar, se questionar, desconstruir certezas, ressignificar”, observou Eloísi.
Considerando que a percepção dos limites é um processo lento, a psicóloga lembrou sobre o quanto é relevante dar continuidade às sessões para que as mudanças ocorram. “Acredito que a continuidade e ampliação da campanha sejam fundamentais, pois mesmo sabendo que buscar ajuda psicológica não se trata de ‘coisa de louco’, quando se fala em dor psíquica a resistência ainda é grande, denotando parecer difícil, feio ou sinal de fraqueza pedir ajuda para cuidar de si ou dos familiares. À medida que o preconceito aumenta, a quantidade de doenças mentais também cresce, de forma que notamos um número cada vez maior de suicídios, depressão, transtornos de ansiedade, de alimentação e tantos outros sofrimentos psíquicos que poderiam ter sido evitados ou ao menos tratados com a ajuda psicológica”, enfatizou.
A psicóloga Geórgia Moura sustentou que fazer psicoterapia é sinônimo de força para mudar o que incomoda cada indivíduo e os impede de viver melhor. “É coragem para mudar o que nos impede de ser feliz, é investir na qualidade de vida. As consultas precisam ser periódicas, geralmente semanais ou quinzenais, tudo vai depender do grau de comprometimento do abalo psicológico sofrido pelo paciente. Fazer psicoterapia é se autoconhecer, não tem contraindicação e o importante é procurar um consultório de psicologia, antes de verdadeiramente precisar, e sim fazer isso como forma de prevenção”, alertou.
Em relação à campanha “Janeiro Branco”, Geórgia disse que é um mês sugestivo porque se tem a sensação de um novo começo, novos planos, um novo estilo de vida e uma razão. A cor branca representa o quadro em branco, no qual escreveremos e desenharemos uma nova história da saúde mental, sem os preconceitos que a cercam. Porém, é importante ressaltar que o ano não será novo se a gente não mudar. Precisamos nos cuidar e para isso é imprescindível cuidarmos da nossa saúde mental”, esclareceu.
Quanto à desmistificação de se procurar atendimento com psicólogo apenas em casos de transtornos mentais ou emocionais, Paôla Belo afirma que é preciso desfazer a ideia do acompanhamento quando há comprometimento e que a prevenção é o melhor de todos os remédios. “Temos que acabar com a ideia de que quem procura psicólogo é quem está com transtorno mental ou sofrimento emocional. A terapia não é só um tratamento, mas prevenção da saúde mental. Isso significa que as pessoas podem procurar a qualquer tempo. É óbvio que quando a pessoa está em sofrimento emocional por algum acontecimento na vida ou até mesmo por algum transtorno mental, é fundamental, para a melhora dessa pessoa que ela esteja em acompanhamento. Assim como a gente vai ao médico durante o ano, no sentido de prevenção, faz algum exame, um checape para ver se estamos bem, cuidando da alimentação para evitar adoecimento, então a gente também percebe que isso tem que acontecer para a saúde mental”, argumentou.
Paôla foi categórica ao afirmar que a saúde mental é pouco reconhecida e trabalhada nos próprios campos de saúde.
“Ter esse espaço é um grande avanço, bem como o reconhecimento de que a gente precisa cuidar da nossa saúde mental. Existe pouca divulgação e pouco reconhecimento, mas acredito que é um caminho para estarmos conquistando. Em janeiro, as pessoas estão repensando os comportamentos, questões, planejando metas, mas isso não impede ninguém de começar em outro momento a verificar situações que podem ser importantes e que devem ser acompanhadas”, finalizou.
SEM AÇÕES – A reportagem da Folha entrou em contato com o Conselho Regional de Psocologia (CRP/RR) para saber das ações que foram realizadas durante o mês temático “Janeiro Branco”, mas fomos informados de que a pessoa responsável por atividades alusivas ao tema precisou viajar no início de janeiro e se afastar do Conselho. Por esse motivo, no começo de 2019, nenhum evento foi realizado. (J.B)
ALERTA
Psiquiatra diz que é necessário prevenir doenças mentais
Como em todas as doenças, de um modo geral, é bom que se façam revisões periódicas, como ir ao oftalmologista ou fazer exame de mama e colo do útero depois de certa idade. Assim deveria ser com a saúde mental, mas o médico psiquiatra Laerth Thomé explicou que não temos a cultura da prevenção.
“Há sempre na cabeça das pessoas que quem procura psiquiatra, psicólogo ou terapeuta é quem está maluco. Daí se vê certo estigma em relação à saúde mental. As pessoas só procuram quando já estão doentes. O mais grave é que o adoecer da saúde mental é insidioso, ou seja, a pessoa aparenta estar bem, mas está doente. O leigo não nota, não é como uma doença comum que dói e você sente. Às vezes, a pessoa está deprimida e o outro não nota, terminha suicidando-se e as pessoas não notaram que ela estava doente”, opinou.
Para Thomé, a própria rede de saúde não tem a cultura de contratar profissionais para fazer a prevenção. Segundo ele, quem o faz não vai ter que tratar de tantas doenças.
“Neste caso, a prevenção seria colocar nas escolas profissionais que pudessem detectar desde o começo uma criança que é agressiva, que joga papel, que agride os professores. Certamente essa criança tem um comportamento disruptivo, ou seja, ela está vivenciando um problema na família ou dela mesma. Então, o profissional teria que examinar essa criança e conversar com a família para fazer a intervenção, ou seja, interferir logo no começo, senão a pessoa vai ser um adulto que vai se drogar, roubar, matar animais, ter comportamentos perigosos”, explicou.
O psiquiatra informou que não há determinação cronológica para se buscar acompanhamento.
“Eu sou terapeuta e imagino que o correto seria todos nós termos um acompanhamento, independentemente de qualquer coisa, para verificar, porque nós temos reações que são reações de comportamento interpessoal, nos quais as pessoas fazem negação, são mecanismos que as pessoas têm no seu dia a dia. Muitas vezes a gente nega uma realidade”, destacou.
O médico usou como exemplo o rompimento da barragem de Brumadinho, afirmando que as pessoas que vivenciaram o trauma poderão adoecer emocionalmente.
“Quando você é submetido a um estresse violento, pode não aparecer na hora, mas depois aparece e a pessoa se torna doente. É o que chamamos de Transtorno do Estresse Pós-Traumatico [TEPT]. Nesse caso de Brumadinho, os sobreviventes, os familiares, os que tiveram perdas dos locais onde moravam, todos estão sujetos a adoecer”, contextualizou Thomé.
O psiquiatra lembrou que o homem precisa de marcadores como Natal, ano novo, casamento, datas que simbolizam o que é importante para manter as pessoas atentas e que profissonais têm que estar cautelosos todos os meses do ano, não apenas em janeiro. Ele também disse que a campanha se dirige para a população e para os profissionais contra o preconceito, chamando a atenção para a necessidade de as pessoas ficarem alertas para os transtornos.
“O fundamental é saber que a doença mental, como qualquer outra doença, precisa de prevenção, precisa de cuidados. A pessoa tem que ter cuidado com ela mesma e mais ainda com a saúde mental porque sendo de difícil reconhecimento, só irão descobrir se for uma pessoa que agride alguém, tocar fogo na casa, rasgar dinheiro, estuprar alguém, aí vão dizer que se trata de um doido. Mas, fora isso, dificilmente alguém vai dizer que a pessoa tem um transtorno. Sem tratamento, as relações pessoais ficam muito difíceis”, concluiu Thomé. (J.B)