Cotidiano

‘Digo para eles: mamãe não tem dinheiro’, chora terceirizada

Servidora de empresa terceirizada está com prestação da casa atrasada e pode perder imóvel; filhos usam farda e tênis rasgados para irem à escola

No relógio, marcava 12h30 e o almoço ainda não tinha sido preparado na casa verde com detalhes vermelhos na janela. E talvez nem fosse porque nos armários só tinha arroz e trigo. A residência, localizada no bairro Dr. Airton Rocha, já representou a realização do sonho do imóvel próprio, mas a mensagem de alerta de desapropriação por falta de pagamento chegou.

Os dois filhos estão com as fardas velhas e rasgadas e os sapatos na mesma situação também precisam ser usados porque não há condições de comprar novos, mesmo que isso seja motivo para advertência na unidade escolar militarizada. Não há material escolar novo, irão utilizar os mesmos cadernos do ano passado porque “é o jeito”.

Em uma cadeira de plástico, substituindo o sofá, a servidora terceirizada alcança a bolsa e retira as contas de energia e água que estão vencidas. Os avisos de corte também estão por lá. Há sete meses, o salário de quase R$ 1.400 deixou de cair na conta e a vida da família mudou drasticamente. Ela prefere não se identificar, tanto por medo de represálias, perder o emprego e por não querer que seus conhecidos tenham conhecimento da situação que passa.

“A gente tinha a esperança que ia receber, mas a luta foi crescendo. Foi juntando conta e eu dizia ‘no outro mês, eu vou pagar’, até que minha casa chegou a nove meses com parcelas atrasadas. Ainda faltam cinco anos [para a quitar a residência]”, contou. Cada parcela do programa Minha Casa, Minha Vida custa R$ 75. A servidora conseguiu tomar dinheiro emprestado para pagar dois meses atrasados, mas os outros sete ainda estão em aberto.

O marido é aposentado por invalidez após um acidente de moto e recebe R$ 620 para conseguir comprar comida. Qualquer outro tipo de gasto é inviável. Com a notícia de que está com uma bactéria no pulmão, não consegue comprar a cartela de comprimidos que custa R$ 25. Não há transporte próprio para conseguir ir atrás do tratamento e medicamentos na rede pública de saúde.

Enquanto não recebe o salário, a servidora da empresa Limponge, que presta serviços de limpeza para o governo do Estado, não deixou de frequentar um dia de trabalho nos dois anos que trabalha como serviços gerais em uma escola estadual. Para tentar conseguir uma solução, vai toda manhã para o acampamento em frente ao Senador Hélio Campos até que tenha respostas concretas.

Sem condições de comprar farda e tênis, filhos de servidora usam calçados rasgados (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)

“Cheguei a procurar a Caixa [Econômica Federal] e teve o feirão para renegociação de imóvel, mas a gente não tinha como dar o dinheiro da entrada. Os meus filhos são adolescentes e ficam com vergonha dos sapatos rasgados e agora não tenho como comprar. Mesmo que eles me pagassem, não ia conseguir comprar. Como ficam as outras coisas?, questionou.

A situação chegou ao extremo de a família estar sem utilizar a botija de gás, também emprestada, porque está acabando. Para não ficarem sem comer, improvisaram um forno com carvão ou pedaços de madeira no quintal da casa. Aos 45 anos, a servidora tem até o Ensino Médio completo e, dessa, forma, tenta fazer de tudo para que a cerca de madeira da casa seja a única barreira que os filhos encontrem.

FUTURO DOS FILHOS – “As notas dos meus meninos, graças a Deus, são boas. O mais velho é elogiado e uma professora até levou eles para o shopping para dar uma volta porque nunca tinham ido. Não tenho como levar. Eu ‘vou na minha conta’ e não vejo nada. Vou continuar chegando em casa e os filhos dizem ‘mamãe, preciso disso’ e aí respondo ‘você sabe que mamãe não tem dinheiro’”, lamentou a servidora entre lágrimas.

Com 14 anos, o filho mais velho já relatou a vontade de se inscrever no programa de estágio Jovem Aprendiz para que pudesse ajudar a mãe nos custos da casa e poder deixar de dividir a cama de solteiro com o irmão. “É difícil. Eu vendia cocada na rua o dia todo e desde pequeno eles me viam trabalhando. Eu nunca deixei faltar nada. Já passamos muita luta, mas agora parece que tá apertando”, destacou.

Sem poder sair da empresa com receio de perder os direitos trabalhistas, a servidora relata não saber mais o que fazer. “Minha prioridade é pagar a energia, água e prestação da casa. Não sobra nada se for um pagamento só. Não tenho o que fazer. Imagina para um jovem que nem eles chegarem à escola nessa situação. Os outros falam, mas eu converso com eles e digo que vai passar, que Deus vai nos abençoar”, frisou.

PROMESSAS – A vontade de resolver os problemas garante que a servidora continue com a esperança, porém ela relatou que se sente invisível. “Eles não olham para a gente, às vezes alguém vai e nos ajuda. Queria que o governador olhasse para os pais de família que precisam do emprego, precisam receber. Quando chegaram e falaram que tudo iria se resolver, chegamos em casa com felicidade. Mas não pagou a gente. Eles levam papel, mas isso não paga as contas”, encerrou.

Governo diz que aguarda emissão de notas fiscais para pagamento

A Secretaria da Fazenda (Sefaz) informou que aguarda a tramitação final das notas fiscais, que transitam nos órgãos fiscais e controladores. “Tão logo se conclua essa etapa burocrática, os pagamentos referentes ao mês de janeiro serão imediatamente autorizados”, garantiu.

A Sefaz informou ainda que é importante ressaltar que o controle fiscal é necessário, a fim de evitar pagamentos duvidosos e preservar o dinheiro público. (A.P.L)