Arroz com frango é o prato do dia. Amanhã, vai ser também. Depois disso, pode não ter nada. Na geladeira, há somente água e um ovo. A despensa para armazenar mantimentos está completamente vazia e no armário, apenas os potes estão guardados. São sete pessoas dividindo a mesma casa, todas dependentes do salário de R$ 1.380 que não aparece na conta há mais de sete meses.
Com três filhos, entre 15 e 18 anos, a explicação de não ter condições de comprar material escolar ou fardamento melhor é constante dentro da casa localizada no bairro Dr. Silvio Leite. Iranilde Cruz teve que fazer a família aprender a conviver com o mínimo, nem que precise chegar ao ponto de pedir dinheiro emprestado de amigos para comprar algo e comer no dia.
A servidora terceirizada não recebe os salários desde julho, mas continua trabalhando normalmente como auxiliar de aluno por meio da empresa Limponge. Sem recursos, chega à escola com uma bicicleta dividida com os filhos e quando um deles precisa, vai a pé até o bairro Senador Hélio Campos para trabalhar.
“Tá com dias que a gente não tem nem leite para essas crianças, são muitos dias. Minha irmã faz [faxina] diária porque está desempregada, mas é pouco. Às vezes, a diretora da escola paga uma passagem de ônibus para mim. Antes, eu colocava no cartão, mas não tenho dinheiro para isso. E eu tenho que ir trabalhar”, relatou. Enquanto a filha do meio chegava em casa com a bicicleta, o único meio de transporte para todos, a mãe relatava que não tinha como comprar um fardamento para a filha neste ano letivo.
Nas advertências tomadas na escola militarizada em que a jovem estuda, ouviu reclamações sobre o estado dos tênis, com furo na ponta, a meia rasgada e os diversos remendos para possibilitar que continue usando o uniforme pelo terceiro ano consecutivo.
“Ano passado ela ‘terminou’ com a farda. Já não serve para este ano. São R$ 800 de farda. Falaram da meia encardida dela e minha filha reclamou, mas eu disse ‘eu não tenho da onde tirar’. Vi que era vergonhoso para ela”, lamentou.
O filho mais velho está sem estudar e procura emprego para ajudar a mãe a custear as despesas de casa, que já somam seis meses de conta de energia atrasadas. Com 40 anos e o Ensino Médio completo, ela queria dar a oportunidade aos filhos de estudarem, mas se vê sem saída.
“Estou no limite, é difícil. Ontem, eu fui atrás de R$ 50 para a gente se alimentar hoje”, frisou.
Dentro do único quarto para os três filhos não há colchão e os jovens dormem no chão enquanto a avó não utiliza a casa. No período da manhã, dá um jeito para chegar ao acampamento em frente ao Palácio Senador Hélio Campos para prestar apoio aos colegas e solicitar respostas do governo.
“Muitas vezes tem uma carne que é doada, um feijão e um arroz. Mas e aqui, que é o lugar que nossos filhos ficam e dormem? Não tem. A gente, que é adulto, aguenta uma fome, mas uma criança, não”, chorou Iranilde. Quase sem saída, a servidora critica os anúncios de pagamento que não são concretizados e se define como “invisível” aos olhos da sociedade.
APELO – Servidora há cinco anos da empresa, ela nunca tinha enfrentado uma situação como a atual e perdeu o controle de conseguir administrar as necessidades básicas dentro de casa. Com os empréstimos feitos com colegas, as dívidas aumentam e o sentimento de humilhação também. O sonho de concluir o ensino superior teve que ser interrompido porque o ex-marido não a permitia que estudasse, mas o cenário que enfrenta deu motivação para voltar a tentar novamente.
“O estudo com certeza melhora a situação. Não somos tachados de funcionários, somos simplesmente ‘fornecedores’. Foi assim que nos definiram. Para eles, não somos nada. Queria que ele [governador] paguasse o nosso salário porque não estamos cobrando o que é dele, é nosso. Estamos limpando chão e cuidando dos filhos dos outros da melhor forma possível”, criticou.
A esperança de ainda ter os salários atrasados em conta é o foco da motivação para continuar questionando e buscando os direitos trabalhistas para ela e todos os servidores que estão protestando diariamente.
“Meus filhos sempre foram prioridade. Não poder dar um leite para eles é triste. Me dói. Hoje, tenho almoço, mas e amanhã?, questionou.
Governo continua sem previsão para pagamento de terceirizados
A Folha encerra hoje, 6, uma série de reportagens especiais sobre a situação vivida pelos servidores terceirizados com os salários atrasados. Foram quatro histórias de famílias sem comida, com dificuldades para compra de material escolar e fardamento, além de contas atrasadas.
O governo do Estado tinha informado, por meio de nota, que faria o repasse de recursos referentes ao pagamento de janeiro no dia 4 de fevereiro e que, após isso, os meses seguintes seriam pagos normalmente. Sobre os atrasados do ano anterior, informou que o pagamento só seria feito quando o Estado apresentar estabilidade financeira orçamentária.
Na última nota enviada pelo Executivo, no dia 4, a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) afirmou que aguardava tramitação final das notas fiscais, que transitam nos órgãos fiscais e controladores.
“Tão logo se conclua essa etapa burocrática, os pagamentos referentes ao mês de janeiro serão imediatamente autorizados”, relatou.
Até o fechamento desta matéria, não houve atualização sobre a tramitação das notas fiscais. Enquanto isso, os servidores continuam sem previsão de receber os salários. (A.P.L)