FABRÍCIO ARAÚJO
Colaborador da Folha
A imigração deu uma cara nova à capital de Roraima. Em quase todos os lugares, há pelo menos um trabalhador vindo da Venezuela exercendo funções como operadores de caixa, auxiliares de limpeza, bem como imigrantes pedindo dinheiro, emprego ou oferecendo serviços nos semáforos da cidade.
Ainda que já tenham se passado quatro anos desde que o fluxo migratório começou a crescer, tudo ainda parece muito novo para os roraimenses. Mas a vida dessas pessoas que vieram da Venezuela também mudou drasticamente. Muitas possuem o ensino superior ou estavam muito próximas de conseguir se formar em algum curso universitário, como é o caso de Lucila Mejias, que veio para o Brasil quando faltava apenas um semestre para se formar em Educação (o equivalente à Pedagogia).
Ela chegou a Boa Vista em janeiro de 2018. A sensação de estranhamento sobre a nova realidade ainda a cerca até hoje. No começo, a língua era muito diferente, a cultura, ela se sentia desorientada e apenas sabia que precisava aguentar firme para conseguir melhores condições de vida para sua família, inclusive suas duas filhas que ficaram em seu país de origem sob os cuidados de uma tia dela.
Atualmente, a venezuelana trabalha como auxiliar de limpeza. Ela afirma ser grata ao emprego, mas nunca imaginou que trabalharia nesta profissão. Seu sonho sempre foi ser professora, inclusive, tentou aproveitar as disciplinas para continuar a graduação por aqui, mas seus documentos estão retidos na Venezuela e, portanto, não pode comprovar legalmente que já percorreu quase todo o caminho do curso de Pedagogia.
“Na Venezuela, eu morava em uma casa grande com a minha família, tinha quatro quartos, não era rica, mas tinha uma boa vida até a situação chegar a este ponto. Com os últimos acontecimentos, penso constantemente em voltar, já pedi demissão duas vezes, mas voltei atrás depois que pensei melhor”, declarou Lucila.
UNIVERSIDADES – Na Venezuela, o sistema de ingresso em uma universidade é muito diferente do que estamos acostumados no Brasil. Após terminar os estudos, é necessário passar por três meses de “reforço” de disciplinas e depois realizar uma prova para demonstrar que possui conhecimento suficiente para ingressar no curso pretendido.
Ao contrário do Brasil, não há caráter de concorrência nestas provas. Basta provar que tem conhecimento suficiente para estudar no curso e universidade desejada. Por isso, é comum encontrar imigrantes exercendo funções de garçom, empregada e até nos sinais que possuem um diploma de ensino superior.
ACOLHIMENTO – Antes de a fronteira ser fechada, passavam em média 550 venezuelanos por dia, de acordo com a contagem dos militares da Operação Acolhida. Em Boa Vista, esta operação não tem parceria com agências ou organizações que ajudem os imigrantes na busca por emprego, mas para as vagas fora de Boa Vista a estratégia de interiorização é apoiada por diversos órgãos, como os ministérios da Cidadania, da Defesa e da Saúde, a Casa Civil da Presidência da República, Estados, prefeituras e organizações não governamentais.
Do sistema ONU, as organizações identificam locais de acolhida ao redor do País, realizam melhorias estruturais nos abrigos e também prestam orientações sobre as cidades de acolhida. Fazem parte do sistema a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
“Em Boa Vista, as pessoas que aderem voluntariamente à estratégia de interiorização são registradas, documentadas e imunizadas, além receber informações sobre as cidades de destino, condições para serem abrigadas e materiais informativos sobre o acesso a serviços e assistência à saúde. As pessoas interiorizadas são acompanhadas durante o voo até as cidades de destino”, informou a assessoria da Operação Acolhida. (F.A)
‘Bons venezuelanos fazem bem a Roraima’, diz promotor
O promotor Ulisses Moroni escreveu um artigo com o título “Os bons venezuelanos fazem bem a Roraima”. A reportagem da Folha conversou um pouco mais com o promotor para entender um pouco desta opinião e ele traçou um comparativo entre a imigração de venezuelanos em Roraima e migrantes da África, do Oriente Médio e Ásia que partem para países da Europa Ocidental.
De acordo com Moroni, não um choque cultural muito grande entre brasileiros e venezuelanos. Os costumes são similares, a linguagem é próxima e não há grandes barreiras. O que não ocorre nos países europeus, pois os imigrantes possuem costumes que destoam muito da realidade já estabelecida.
“Dito isto, Roraima é um vazio populacional, é do tamanho de São Paulo praticamente, no entanto não há a mesma população, nós precisamos de gente. O brasileiro não vem para cá e este é um capital humano. Os venezuelanos vêm para trabalhar, para construir e este é o lado positivo da questão”, explicou Moroni. (F.A)