
Não é da falta de informação que a Segurança Pública de Roraima padece. Muito pelo contrário. As autoridades têm a sua disposição levantamentos e estudos que detalham a atuação do crime organizado na Capital e interior, bem como formas e locais de atuação, além de apontamentos sobre o que pode ser feito para enfrentar a criminalidade.
A respeito de quatro jovens baleados na madrugada de domingo, no bairro Tancredo Neves, a polícia tem conhecimento do que ocorre por lá. Inclusive, quando a Operação Soberania foi desencadeada pelas forças estaduais no mês de janeiro, logo após a descoberta de um cemitério clandestino no bairro Pricumã, uma das regiões alvo das ações policiais foi o Tancredo Neves.
Da mesma forma que as autoridades têm conhecimento do que ocorre no Residencial Vila Jardim, conjunto habitacional onde vivem cerca de 12 mil pessoas. A propósito, uma onda de furtos de relógio medidor de água dos hidrômetros tem tirado o sono dos moradores, o que obrigou a Polícia Militar a fazer uma operação na noite de segunda-feira, inclusive com policiais fazendo incursões nos condomínios.
No entanto, da mesma forma que as operações são executadas e logo em seguida esquecidas, essas ações também são descontinuadas. O exemplo disso ocorreu na área do cemitério clandestino, que parou de ser monitorada, cujo resultado foi uma mulher venezuelana morta a tiros em frente de sua casa, numa área de invasão próxima do local do cemitério clandestino.
Todo desenho do crime no Estado está exposto na obra “Geografia do Crime: Estudo de Caso em Boa Vista (RR)”, da delegada Simone Arruda do Carmo, que está cursando doutorado na Universidade Campinas (Unicamp), cuja tese aborda outra séria questão, que são as redes e fluxos das facções venezuelanas diante da migração em massa. Inclusive, a autora põe o dedo nas feridas que levaram a atual situação de insegurança no Estado.
Segundo ela, em seu trabalho foi “possível pontuar que qualquer política pública que vise mitigar as ações criminosas em Boa Vista somente foi eficaz enquanto o grupo político que a implantou estava no poder, ou seja, não é uma política pública de gestão, mas sim de gestor”. E foi assim que as facções se fortaleceram e está sendo desta forma que os criminosos venezuelanos estão sitiando a cidade, diante da falta de uma política efetiva de governo.
Mas esse preocupante cenário não indica tão somente uma letargia por parte das autoridades. É algo muito mais sério, conforme pontuou o delegado aposentado da Polícia Federal Jorge Pontes, que integrou o Ministério da Justiça de Sergio Moro, durante uma entrevista. Segundo ele, não há chance de sucesso de um projeto de combate ao crime organizado no Brasil com a situação atual das polícias Civil e Militar.
Pontes afirmou que, para um projeto da Segurança dar certo, é necessário prioridade no enfrentamento do crime dentro da polícia com uma política de resolução de assuntos internos. Para ele, torna-se necessário “eliminar a banda podre das polícias, especialmente na Polícia Militar”, apontando a falta de mecanismos internos de controle efetivo permite que policiais corruptos protejam facções e atuem como facilitadores de crimes.
Portanto, os fatos estão aí. Mas o crime parece estar normalizado junto à opinião pública, pois as cenas de barbárie não comovem mais ninguém, inclusive a imprensa. E os dados de especialistas também estão bem claros, com estudos apontando os problemas e soluções. o entanto, não se vê reação, pois a questão parece estar além do crime organizado sob o comando de facções, que é o crime institucionalizado dentro do poder público, conforme aponta o delegado Jorge Pontes.
Porém, ninguém está preparado para esse assunto…
*Colunista