Cento e dezoito brasileiros que estavam isolados na Venezuela conseguiram atravessar a fronteira e chegar a Roraima após negociações do governo federal. A informação foi confirmada pelo coronel Georges Kanaan, coordenador operacional-adjunto da Força-Tarefa Logística Humanitária para Roraima, integrante da Operação Acolhida.
De acordo com ele, inicialmente chegaram, na tarde de terça-feira, 26, 14 mulheres que estavam fazendo consultas e procedimentos médicos na Venezuela. Outros 104 chegaram à noite, a maioria deles turistas, após o acerto feito entre o Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Defesa com as autoridades venezuelanas, e conversas do Exército Brasileiro na linha de fronteira.
“Acolhemos, trouxemos para o posto de triagem da Operação Acolhida onde nós acolhemos os venezuelanos. Nós fizemos o controle migratório junto à Polícia Federal, uma vez que eles saíram do país. Tiveram uma atenção médica, serviço de saúde e também oferecemos jantar enquanto esperavam o processo de regularização migratória”, informou Kanaan.
Depois do atendimento, cada um seguiu para sua residência. O coordenador explica que alguns dos brasileiros vieram em automóveis, muitos deles alugados ou que faziam parte das agências de turismo contratadas.
CAMINHONEIROS – Agora, a expectativa é que um novo número de brasileiros chegue a Roraima, desta vez, os caminhoneiros. Conforme Kanaan, os trabalhadores também estavam no trâmite para chegarem com os turistas brasileiros, porém, um impasse com a liberação dos veículos adiou a vinda dos demais. A previsão era que os caminhoneiros chegassem até a noite de ontem, 27, ou na manhã de hoje, 28.
“Estávamos esperando receber os caminhoneiros, que são 38. Eram para ser liberados pelo menos os caminhões vazios e, se tivessem carga, iam esperar até o dia seguinte. Mas, não sei por que motivo não foram liberados. A esperança é que seja concluído até hoje [ontem]. Acho que vai dar certo”, afirmou.
Com relação aos brasileiros que estão na Venezuela, sejam eles residentes, turistas, trabalhadores ou aqueles em busca de atendimento médico; o coordenador orientou que a melhor forma em situações tensas como a atual, é buscar auxílio no consulado ou na embaixada do país.
“Nós estivemos conversando com muitos dos que chegaram e eles desconheciam a forma de como voltar. A orientação é procurar o consulado brasileiro, uma embaixada se tiver. Quando for viajar para qualquer país, que tenha uma instabilidade ou não, que os brasileiros busquem as sedes diplomáticas para maior segurança”, acrescentou.
Operação Acolhida mantém recebimento de migrantes na fronteira
O coordenador também explicou que continuam as atividades da Operação Acolhida de atendimentos aos imigrantes, mesmo com a fronteira terrestre fechada. Isso acontece por causa das muitas trilhas alternativas que muitos pegam para sair do país.
“Aqui no posto de triagem, nós recebemos diariamente aqueles venezuelanos que solicitam refúgio ou residência temporária. No caso, nesses últimos dias com a fronteira fechada, eles utilizam as trilhas laterais. Tivemos 140 chegando ao Brasil no posto de controle na terça-feira”, afirma o coronel.
Kanaan explica que todos os imigrantes recebem atendimento de saúde, alimentação e ajuda para registrar os pedidos de refúgio ou residência temporária, além da atuação das organizações de direitos humanos. Outros atendimentos também promovidos são o da Polícia Federal que realiza o protocolo de residência temporária e a Receita Federal que emite o CPF.
“Temos o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados [Acnur], Cruz Vermelha, fazendo a parte de pré-registro para solicitação de refúgio, a Organização Nacional de Imigração [OIM] que auxilia no pré-registro para pedir residência temporária, as agências da ONU que cuidam do público mais específico, como LGBT, menores vulneráveis, grávidas”, explica.
Com relação àquelas pessoas que terminam esse processo e não têm para onde ir, o coordenador explica que a população migrante vai para um abrigo temporário onde tem café, almoço, jantar, atendimento de saúde e instalações sanitárias até que abram vagas nos 11 abrigos que existem em Boa Vista.
“Existem ainda aquelas pessoas que não têm condição de se deslocar para Boa Vista, então, elas pernoitam e depois seguem seu destino para a capital e de lá para outras partes do Brasil e até mesmo para fora do País”, completa.
Um dos grupos que chegou a Roraima foi o da família do prefeito de Gran Sabana, Emilio González. A filha do prefeito, Emily González, informou que foi preciso uma caminhada pela montanha para chegar. Na caminhada, vieram oito pessoas além de Emily, também de parentes do político, que está sendo perseguido e corria risco de morte.
Para a jovem, foi um alívio chegar ao Brasil e fugir de uma situação de medo. “Agora, nos sentimos mais tranquilos. Saímos correndo do regime de Maduro. Queriam nos matar. Estamos sendo perseguidos pelo Exército Venezuelano, pela Guarda Nacional Bolivariana e pelo governo venezuelano”, lamentou.
Brasileiros são recepcionados com ‘Garota de Ipanema’
A música “Garota de Ipanema”, composição de Tom Jobim, é conhecida mundialmente por ser uma representação da cultura brasileira. Por coincidência, a canção também acabou sendo um alívio para os turistas brasileiros que chegaram a Pacaraima na noite de terça-feira, 26. Tocando nos altos falantes nos alojamentos do Exército Brasileiro, a bossa-nova virou trilha sonora de recepção e teve um significado a mais aos presentes: de finalmente estar em casa.
Essa foi a sensação repassada pela médica veterinária Maíra Barros Escobar, uma das turistas brasileiras que decidiu realizar o sonho de subir o Monte Roraima e acabou ficando presa no Consulado Brasileiro na Venezuela.
Maíra explica que ela e um grupo de mais 16 pessoas, além de cerca de oito guias, saíram de Roraima em direção ao Monte na última terça-feira, 19, acompanhados de uma empresa de turismo. No mesmo dia, o porta-voz da Presidência da República, general Rêgo Barros, anunciou que o governo estava mobilizando uma força-tarefa para entrega da ajuda humanitária para a Venezuela, com apoio do governo dos Estados Unidos.
Na quinta-feira, 21, a fronteira foi fechada pela Guarda Nacional Bolivariana (GNB), atendendo às ordens do presidente Nicolás Maduro. Naquele momento, os turistas brasileiros já estavam sem comunicação e não ficaram sabendo dos conflitos ocorridos na fronteira com Pacaraima e a Colômbia.
Segundo Maíra, os guias da empresa tinham comunicação de rádio e foram atualizados da situação de conflito com mortes e feridos em Santa Elena, mas não repassaram as informações para os turistas, sob a orientação do Exército Brasileiro. A empresa também criou um grupo no WhatsApp com os familiares dos turistas, através dos contatos de emergência repassados, para atualização de informações.
A descida do monte ocorreu na segunda-feira, 25, quando a situação já estava mais controlada em Pacaraima pela Força Nacional e Polícia Federal. Maíra disse que percebeu que havia algo errado quando os guias pediram que eles não saíssem dos carros e fossem direto para o Vice-Consulado Brasileiro em Santa Elena de Uairén.
“No caminho, vimos os ônibus queimados, lojas fechadas. Ao chegar, recebemos orientações de manter a porta trancada, de não sair na rua. Nos disseram que a fronteira estava fechada e que havia cerca de mil militares com ordem de disparo. Foi uma sensação de insegurança inexplicável”, relata Maíra.
Ela afirma que, embora abrigados, o local não tinha estrutura adequada para receber os turistas. A informação é que não havia água no banheiro, Wi-Fi nem forma de se alimentar ou descansar. Depois, conseguiram ir para uma pousada onde foram alimentados, graças à assistência da empresa de turismo.
Para a médica veterinária, a sensação de incerteza foi o pior momento vivido durante a viagem. Até então, os turistas acreditavam que iam atravessar. Depois, que o problema ia se resolver no mesmo dia.
“Pensamos que a gente ia atravessar de boa, por estar nos carros dos guias, que tem uma passagem mais tranquila pela fronteira. Pior momento foi quando a gente soube que não ia passar. Disseram para esperar até as 22h para saber se poderíamos sair e depois nos disseram que não foi autorizada a passagem”, lamentou.
ALÍVIO – Depois de quase dois dias de angústia, o grupo de turistas conseguiu chegar até Pacaraima, na fronteira com a Venezuela. Para Maíra, o melhor momento foi realmente quando o grupo chegou à base do Exército e estava tocando ‘Garota de Ipanema’ na caixa de som.
“Só de a gente chegar e de ver o sorriso no rosto deles, de missão cumprida, eu fiquei muito emocionada. Brasileiro é caloroso, a gente se abraça, vai tudo ficando bem. Foi esse o alívio, ver o Exército te protegendo e não te ameaçando”, finalizou.
O relato de Maíra acabou sendo muito familiar com a trilha sonora que embalou o momento. Como diz a canção: quando ela passa, o mundo inteiro se enche de graça e fica mais lindo por causa do amor.