POLYANA GIRARDI
Colaboradora da Folha
Empoderada. Esse é o novo perfil da mulher contemporânea. Vinda de uma sociedade construída historicamente pela ideia de que o homem é um ser superior, a mulher do século 21 é consciente dos seus direitos econômicos, sociais e culturais e mantém o desafio de vê-los cumpridos em um cenário em que o machismo ainda é predominante.
O cientista político Paulo Racoski explica que houve um período na história em que a mulher foi considerada uma “divindade” e também a figura líder na comunidade, até que a sociedade se reagrupou de forma que o homem passou a ser visto como o centro de tudo. Surgiu uma sociedade construída em valores patriarcais em que homens mantêm o poder primário e predominam em funções de liderança política, exercendo autoridade moral e de privilégios sociais, enquanto a mulher, isenta de vontades próprias, deveria prestar serviços a essa figura masculina.
“Vivemos a herança do homem considerado dominante sobre o corpo feminino e provedor de bens. Toda essa herança é antropologicamente transposta para a sociedade moderna. Hoje, a mulher contemporânea evoca suas raízes do matriarcado, sai da posição doméstica, reassume que é uma mulher de potencial, produtiva economicamente e expressiva dona de desejos,” disse Racoscki.
NOVO PERFIL – Ainda de acordo com o cientista político, a grande mudança de impacto social é a mulher no mercado de trabalho.
“A mulher dos séculos 19 e 20 começou a assumir o papel de empoderamento para defender seus interesses dentro do campo social. Da fábrica, ela vai pra rua, da rua ela vai pra luta e da luta ela vai em busca das conquistas ”, explica.
Para a psicóloga Maine Ferreira da Silva, o perfil da mulher contemporânea apresenta uma profissional financeiramente independente, apta a exercer qualquer função que lhe é atribuída e com aspirações para construir uma família.
“Formar uma família ainda é uma cobrança imposta à mulher. A busca de um parceiro que se adapte a essa mulher consciente de vontades e independente economicamente faz com que os homens a julguem muito exigente”, afirma.
A herança de uma sociedade dominada pelo poder masculino tem influência para que o discurso de que a mulher é simples objeto criado para servir seja propagado na educação das crianças. De acordo com a psicóloga, são educadas gerações que desvalorizam a figura feminina e isentas de qualquer culpa na violência cometida.
“É atribuída culpa a mulher que por trabalhar fora se julga como uma péssima mãe sem tempo para acompanhar a educação dos filhos e por isso se tornou um adulto violento. Há também o discurso passado de geração para geração, principalmente às meninas, de que a mulher para ser boa deve se restringir na forma de falar e de se comportar”, avalia Maine.
A principal dificuldade enfrentada é a quebra do discurso patriarcal expresso em valores machistas e também usado por algumas mulheres para julgar outras. De acordo com a psicóloga, não é possível atribuir culpa a uma mulher que compartilha discursos machistas porque o comportamento é fruto da estrutura social em que vivemos. A própria cultura cria e difunde por meio da música, por exemplo, violência, culto e uso do corpo feminino, o que cria idealizações de uma mulher objeto.
“As redes sociais têm funcionado como uma ferramenta poderosa para que sejam discutidos assuntos que envolvam o empoderamento feminino, mas também se revela como espaço para atacar e denegrir imagens. Em alguns comentários sobre temas femininos podem ser encontradas opiniões de mulheres julgando de forma negativa o comportamento da outra,” disse.
Para Paulo Racoski, a educação ainda é a chave para que as diferenças sejam quebradas. “A estupidez e a ignorância um dia morrerão e esperamos por um novo tempo. A esperança está na humanidade para que seja construída uma sociedade mais plural,” considera.
A sociedade é uma eterna construção e reconstrução de valores. As pessoas ainda revelam medo em se rotular e partir em defesa pela causa feminina. Para Maine, quanto menos compromisso demostrarmos, mais notícias de violência contra a mulher vão permanecer estampando manchetes e noticiários.
“A mulher deve continuar lutando pelos seus direitos. Se manter em um mundo que insiste em ser tão desigual não é fácil, mas não vamos desistir,” conclui.