
Um sonho de criança moveu a jovem Amanda Félix, de apenas 25 anos, a se encontrar dentro do empreendedorismo. Desde muito nova, ela já sabia que dar à mãe uma vida confortável seria o grande objetivo dela. Criada dentro de uma comunidade indígena da etnia macuxi, ela superou dificuldades e, se arriscando, nasceu a chance de mudar de vida e de crescer dentro do empreendedorismo roraimense.
A infância na Guiana Inglesa
Filha de uma guianesa indígena, Amanda foi para o país vizinho ainda bebê. Ela cresceu na comunidade Region 8, Monkey Moutain (Montanha do Macaco).
Abandonada pelo esposo, a mãe de Amanda lutou para que a criação da filha fosse feita da melhor forma possível, e isso exigia que uma boa parte do tempo ela passasse trabalhando.
“A mãe sempre foi sozinha. Depois que aconteceu tudo com o meu pai, ela não quis mais ninguém. Chegou um momento que foi necessário ter que conseguir dinheiro pra conseguir coisas para mim, porque lá na Guiana a gente só vivia de caça, pesca… e o principal provedor era o homem.E a mãe não tinha, era só ela. E acontecendo tudo isso, a minha mãe resolveu voltar pra cá, pro Brasil, pra tentar conseguir algum dinheiro”, disse a jovem.

Nesse tempo, Amanda ficou sozinha no país vizinho com alguns familiares, e passou por episódios de abuso sexual. Amanda viveu nesse cenário até os oito anos, e se emociona ao lembrar da época.
“E a minha mãe, ela sabia de tudo, só que ela não podia fazer nada, porque não tinha ninguém pra proteger ela, não tinha ninguém pra me proteger. Então a minha mãe foi tentando uma solução pra me tirar dali. Eu já tava numa situação crítica, que o meu cabelo começou a cair”, conta Amanda.

Cruzando a fronteira a pé
Para sair de lá, a família de Amanda – mãe, irmão, ela e o padrasto- decidiu vir até Boa Vista a pé. Foram dois dias de caminhada até chegar na capital. De Boa Vista, a família partiu pra Mucajaí. Foi vendo as luzes e as oportunidades que a cidade oferecia, que Amanda começou a trilhar uma nova história.
A primeira barreira a ser vencida foi a do idioma, já que ela se comunicava apenas em inglês. “Eu não falava nada de português. Minha mãe resolveu me botar numa escola, mesmo sem saber falar. As primeiras palavras que eu falava era ‘é, sim, não’, pra tudo. Mas passando uns dias eu fui aprendendo”.
A oportunidade de empreender e a vontade de arriscar
Com 18 anos, Amanda veio para Boa Vista. A capital roraimense chamava a atenção pela vida diferente do interior e uma sensação diferente já avisava à Amanda que aqui seria o lugar onde tudo iria mudar.
Os planos iniciais eram ingressar numa graduação, mas uma oportunidade de vender peças de roupas para conseguir uma renda acabou ocupando mais espaço do que ela e o namorado esperavam. Começava assim, o que seria no futuro a loja de roupas que hoje ela é proprietária.
“Eu comecei a vender algumas coisas usadas, e vi que dava certo. Foi quando eu comecei a querer vender biquinis, roupas fitness… Foi por aí que começou, de forma muito pequena, poucas peças. A primeira remessa que eu tive foi só de quatro biquinis, então, fui revendendo. Comecei a investir o que eu tinha, o crédito que me dava. Se 400 reais, era o máximo para mim, então, eu usava todo o recurso que eu tinha para poder investir e ter um retorno bom”, detalhou Amanda sobre o início da loja.
Insistindo e investindo, cada lugar que a loja ocupava acabava ficando pequeno pro grande potencial que Amanda tem ao se descobrir empreendedora. O que eram poucas peças, foram virando investimentos cada vez maiores, e conquistando novos horizontes.
Sonho realizado
Neste mês, o empreendimento completa quatro anos. O crescimento da loja é a concretização do sonho que sempre foi a bússola para os passos de Amanda: mudar a vida da mãe.
“Esses dias eu dei um fogão pra ela. A cultura indígena não tem o costume de mostrar afeto, de dizer que te ama, de abraçar… não tem. E foi a primeira vez que ela me abraçou, sabe? E foi tão genuíno, foi o primeiro abraço. A mãe, ela tem uma forma de dizer que ama, mas sem o contato.Às vezes é uma comida, às vezes lava uma roupa… Eu falei que eu ia estudar bastante pra dar tudo isso. Eu lembro quando eu contava tudo o que acontecia na escola e eu falava ‘vou estudar, vou fazer isso, que eu vou ajudar uma vida boa, não vou fazer isso com o que meu pai fez e o que ele falou pra ti'”, destacou Amanda.
E os sonhos não param por aí, aliás, estão bem longe de acabar. Crescer e atender cada vez mais mulheres é o novo objetivo da jovem, que se orgulha da trajetória de vida que traçou. Para ela, empreender é muito mais do que vender peças de roupas, mas marcar momentos e fazer parte de histórias.
“O empreendedorismo, além de transformar toda a minha história, me trouxe muitos conhecimentos. Me trouxe histórias, me trouxe muitas amizades com clientes, me ofereceu, sabe, conhecer pessoas. Antes do empreendedorismo, eu era uma pessoa retraída, de poucas palavras, querendo ou não, eu ainda estou aprendendo muita coisa”, finaliza Amanda, emocionada.