
Passaram-se 22 anos, mas ainda ecoam como se fossem ditas hoje as palavras do então presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Jaime Chamello, que veio a Estado em 2003 e escandalizou os políticos locais ao declarar, em uma entrevista coletiva à imprensa, que “Roraima era uma terra fértil para a corrupção”. Os políticos da época reagiram energicamente na tribuna e nos veículos de comunicação locais.
O contexto dessa declaração era o “escândalo dos gafanhotos”, considerado o maior esquema de corrupção da história de Roraima, desarticulado pela Operação Praga do Egito da Polícia Federal, naquele ano, e que movimentou cerca de R$300 milhões dos cofres públicos estadual e federal por meio de seis mil servidores fantasmas, sob o comando do governador da época e que envolvia 15 dos 24 deputados estaduais, além de altas autoridades de todos os poderes constituídos.
No entanto, se a frase fosse dita nos dias atuais, não seria nenhum exagero, ao considerar as seguidas operações desencadeadas pela PF, as quais vêm sendo intensificadas desde 2019, quando o garimpo ilegal saiu do controle e contaminou setores da sociedade. Somente este ano, já foram realizadas cinco, sendo a mais recente na semana passada, a Operação Cessatio, que investiga fraudes no Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas) com uso de idosos venezuelanos, esquema este que envolve pelo menos cinco advogados.
Fora a Operação Cartão Vermelho, sobre crimes de abuso sexual infantil, teve ainda a Operação Cisne Negro, que investiga desvios de dinheiro público na Universidade Estadual de Roraima (UERR) e que custou o cargo do controlador-geral do Estado; além da Operação Munição Inflamável (2025), sobre comércio ilegal de armas e munições para garimpos ilegais envolvendo policiais militares; e a Operação Feedback, que investiga integrante de facção criminosa envolvido no tráfico de drogas entre Amazonas e Roraima, bem como financiamento de armamentos ilícitos.
Já o ano 2024 foi marcado por operações eleitorais, envolvendo crimes eleitorais nos municípios de Pacaraima, Mucajaí, Alto Alegre, São Luiz do Anauá e Rorainópolis. Incluindo as operações em Boa Vista, quando houve políticos presos, um deles com pepita de ouro, a PF apreendeu cerca de R$ 3 milhões em todo o Estado durante as eleições municipais.
Vale ressaltar que, em 2024, a PF em Roraima dobrou o número de operações em relação a 2023, passando de 34 para 67 operações, que incluíram combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, tráfico de drogas envolvendo organizações criminosas, em parceria com a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), e corrupção eleitoral.
Os sites de busca e aplicativos de Inteligência Artificial ainda apontam que, de 2019 a 2022, mais de 200 membros e colaboradores de uma facção criminosa foram presos em Roraima pela PF e pela Força-Tarefa de Segurança Pública, coordenada pela PF e integrada por polícias Civil, Militar e Penal. E isso sem contar com operações contra incêndio, desmatamento e grilagem, além de superfaturamento, fraude em licitação e associação criminosa na aquisição de recarga de oxigênio pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y).
Como é possível notar, o crime está organizado em várias frentes em nossa sociedade, contaminando até mesmo setores que, no passado recente, foram referência na luta contra a corrupção. As palavras de Dom Jaime Chamello nunca tiveram tão atuais. Infelizmente!
*Colunista