A Instrução Normativa 128/2016, da Agência Nacional do Cinema (Ancine), sancionada em 2017, obriga os cinemas a adaptarem os conteúdos dos filmes em formato de audiodescrição, closedcaption (legenda) e LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) para deficientes auditivos e visuais. Em Roraima, a Lei Estadual nº 1.162/17 de 2017, determina a realização de sessões especiais, pelo menos uma vez por semana, adaptadas para surdos e cegos, com a disponibilização de fones de ouvidos para os deficientes visuais e legendas closedcaption, que descreve as cenas dos filmes para pessoas surdas. Mas a Lei só entra em vigor no dia 02 de janeiro de 2020.
Por enquanto, a falta de sessões com inclusão social vem sendo questionada por integrantes da comunidade surda.
Com a maior parte das sessões ofertadas com áudio dublado em português, os surdos tentam criar diferentes formas de não deixarem de ir aos cinemas.
Alguns optam por levarem amigos ouvintes, que saibam a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para explicarem o enredo, porém, até que consigam relatar o que já aconteceu no filme, perderam algumas cenas. Dos três principais cinemas de Boa Vista, as sessões legendadas são poucas e, quando ofertadas, em horários tarde da noite ou de filmes menos populares.
Quando chegou ao estado para ser professor do curso de Letras/Libras da Universidade Federal de Roraima (UFRR), o amante de cinema nunca pensou que encontraria tanta limitação. Israel Bissat nasceu surdo, mas aprendeu a língua portuguesa e com ela consegue acompanhar os filmes. Mas reclama em relação às legendas.
“No outro dia, perguntei sobre o filme para os meninos que são surdos e com quem interajo e eles me falaram que adoraram, mas perguntei: ‘vocês entenderam o quê? ’. Eles me falaram que já pediram várias vezes para legendarem os filmes. “Me sinto frustrado. A experiência cinematográfica pode ser sentida de diversas formas, mas para nós da comunidade surda em Roraima, as imagens serão tudo o que aproveitamos dentro da sala de cinema”, relatou por meio de um intérprete.
O mesmo problema passa Ana Alita, que ficou surda após um acidente. Ela diz que, como toda adolescente, adora ir ao cinema com as amigas. “No entanto é muito difícil se o filme não for legendado. Não tem como entender. Seria ótimo se colocassem ao menos uma sessão legendada por filme, nem que fosse um dia na semana” disse na linguagem de sinais a estudante de 16 anos.
André Fonseca é um dos surdos que prefere não entender o enredo do filme a deixar de frequentar o cinema por conta da falta de acessibilidade. Para ele, que também nasceu surdo, o descumprimento da normativa causa uma forma de exclusão social.
“Sem a acessibilidade fico triste e indignado porque é um direito assegurado por Lei. Vou ao cinema mesmo assim, mas sem entender muita coisa. Porque quero participar. Preciso que alguém que já assistiu explicar para mim depois e eu entender. É preciso ter legenda em todos os filmes e horários”, criticou o assistente administrativo, e ressaltou que já procurou o Ministério Público, mas não conseguiu efetividade na denúncia.
Atualmente, ele tenta conseguir mais acesso às pessoas com deficiências e tenta encontrar meios dentro da legislação para conseguir garantir o direito respeitado procurando órgãos que possam regularizar as situações.
Entidades e Conselhos não têm pauta sobre o tema
Ao ser procurado pela Folha, o Conselho Estadual dos Diretos da Pessoa com Deficiência garantiu em nota que irá colocar em pauta a questão de acessibilidade dos cinemas em Roraima para viabilizar quais medidas serão feitas para garantir a aplicação da legislação brasileira.
A equipe procurou também a Associação de Surdos de Roraima para posicionamento sobre a falta de acessibilidade nos cinemas e quais medidas poderiam ser tomadas, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
A respeito da ausência de oferta de filmes legendados nos cinemas locais, o Ministério Público de Roraima disse que nunca recebeu uma demanda nesse sentido, mas que irá analisar o caso.
Cinema em Boa Vista irá testar equipamentos para surdos e cegos
A Folha entrou em contato com os cinemas da capital para saber como é feita a logística dos filmes legendados e a falta de acessibilidade para surdos, mas os dois cinemas localizados nos shoppings da cidade não responderam a demanda.
O único cinema que respondeu, o mais antigo de Boa Vista, que fica localizado no centro da cidade, disse que até janeiro de 2020 espera ter 100% de suas salas totalmente acessíveis para deficientes.
De acordo com a empresa, os testes devem começar em breve e o investimento é totalmente do cinema, visando seguir o cronograma da Agência Nacional do Cinema (ANCINE) sobre acessibilidade nos cinemas. “Estamos trabalhando para aumentar a acessibilidade dos clientes com deficiência auditiva e visual, com equipamentos que irão permitir a exibição das obras cinematográficas para essa clientela” disse o cinema em nota. A previsão é que até o dia 1º de janeiro de 2020, 100% das salas já estejam totalmente acessíveis para os deficientes. (A.P.L)