Marcos Martins
Colaborador da Folha
Vigorando desde o dia 31 de julho, a medida implantada pelo Exército para orientar os venezuelanos a saírem das ruas e procurarem locais para passar a noite em Boa Vista e Pacaraima ainda tem dificuldades para ser implementada por conta da lotação nos abrigos.
Segundo informações da Acnur, a agência da ONU para refugiados, os abrigos existentes em Boa Vista e Pacaraima estão cheios, com um fluxo de imigrantes em uma crescente. Para resolver a situação de venezuelanos em situação de rua, a resposta tem sido esvaziar os abrigos com a interiorização para que assim abra espaço para novas pessoas.
Um desses imigrantes é o pintor Ángel Moreno, que tem vivido com outras 20 pessoas em um prédio abandonado no bairro Caimbé, localizado na zona oeste de Boa Vista. “Aqui não tem muita fonte de trabalho. Consigo somente uma diária pequena e o aluguel é muito caro. Os abrigos têm muita gente e não tem vaga, então a gente tem que ir atrás para conseguir um emprego, um dinheiro e um local para ficar. Onde estou tem os perigos de sempre de ficar na rua, sem proteção, mas até por isso moro junto com várias outras pessoas”, afirma o venezuelano que mora há seis meses na capital de Roraima.
No mês passado, a Operação Acolhida divulgou que de abril de 2018 até o dia 17 de julho deste ano foram transferidos para outros estados um total de 15 mil venezuelanos, sendo os estados do Amazonas, São Paulo e Rio Grande do Sul os que mais receberam os venezuelanos.
Migrantes na rua estão sendo supervisionados e contabilizados
Conforme informações da coordenação da Operação Acolhida, desde o ano passado tem acontecido uma supervisão nas ruas de Boa Vista durante os períodos noturnos.
Entre algumas das estratégias da operação estão as transferências de desassistidos das ruas e praças para abrigos, além da contagem e mapeamento dessas pessoas espalhadas pelas ruas e imóveis abandonados ocupados. Ainda segundo a coordenação da Operação Acolhida, os locais próximos dos abrigos são áreas onde tem sido feita a manutenção da segurança para prevenção de ilícitos, como a cooptação pelo crime, consumo de drogas, entre outros.
As regiões próximas ao Terminal Rodoviário Internacional de Boa Vista José Amador de Oliveira-Baton, como a Praça Simón Bolívar, são outros pontos em que se concentram vários imigrantes venezuelanos que acabam ficando pela rua. Na tentativa de resolver o problema, a coordenação da Operação Acolhida afirmou que tem ocorrido orientação para que os imigrantes “procurem o posto de Interiorização e Triagem e os diversos serviços da Rodoviária: chuveiros, banheiros, tanques de lavar roupa, espaço para crianças, posto de informações, área de distribuição de alimentos e doações, guarda volume, refeitório e local de pernoite protegido”, explica a nota enviada para a reportagem.
Também de acordo com coordenação da Operação Acolhida, o Posto de Interiorização e Triagem e o Posto de Recepção e Apoio perto da Rodoviária têm recebido uma média de 1.300 pessoas diariamente.
Apesar de tudo, para o venezuelano Jordan Reyes, que chegou na última segunda-feira (5) em Boa Vista, a chegada ao Brasil é uma esperança de conseguir uma vida melhor. “Eu vim com dois amigos da Venezuela. A situação está muito ruim por lá. Não temos comida, emprego, dignidade e ficamos sem perspectivas de um futuro melhor. Eu espero uma melhor economia e conseguir emprego o mais rápido possível, pois quero fazer uma boa carreira profissional e não se consegue mais isso por lá”, desabafa Jordan.
Polícia Militar não foi comunicada sobre Operação Dignidade
O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Elias Santana, enfatizou que colocar em prática a operação Dignidade em Boa Vista é mais difícil porque o Exército está circunscrito aos abrigos existentes na cidade. “Os venezuelanos estão espalhados em toda a nossa Capital. Temos andando em vários bairros e no entorno dos abrigos e temos visto praticamente a mesma quantidade de venezuelanos pelas ruas. Até agora não houve diminuição no fluxo de imigrantes. Estive em uma atividade na Praça das Águas e percebi que 80% das pessoas que estavam a minha volta falavam espanhol”.
Santana disse que, em contato na sexta-feira (2) com oficiais da PM, em Pacaraima, soube que a Polícia Militar não foi informada sobre a operação Dignidade. “Não tivemos qualquer informação / solicitação / orientação / pedido de apoio, no que se refere a essa operação. E a opinião convergente é de que não houve, de forma visível, essa redução de pessoas nas ruas de Pacaraima, até porque é necessário, em minha opinião, estabelecer um horário para permanência nas ruas. Não fomos informados dessa situação e a PM que faz um trabalho ostensivo não está abordando e orientando as pessoas nesse sentido”.
O comandante-geral da Polícia Militar informou que em Boa Vista, de igual modo em Pacaraima, o policiamento permanece normal. “Também não recebemos nenhuma informação e nem fomos impactados por essa medida. Ou seja, não houve nenhuma diminuição no fluxo de venezuelanos nas ruas da nossa capital, não percebemos nenhum efeito. Embora a operação Dignidade tenha entrado em vigor no último dia 31, registramos em Boa Vista 77 ocorrências envolvendo venezuelanos que foram detidos desde esse dia e esse número poderá ser maior. Mas vamos aguardar sermos oficializados para uma possível parceria e observar os efeitos dessa operação”, frisou Santana.