Cotidiano

Padres em RR reagem a críticas de Bolsonaro ao Sínodo da Amazônia

Para os representantes da igreja, o governo está preocupado com algo inexistente 

MARCOS MARTINS

Editoria de Cidades

O Vaticano recebe entre os dias 6 e 27 de outubro a 16ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, que reúne 250 lideranças católicas de todo o mundo, para discutir por 23 dias o tema “Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para a ecologia integral”. O presidente da República, Jair Bolsonaro, declarou que o Sínodo da Amazônia, promovido pela Igreja Católica, é um evento político. Padres e a representante de Roraima envolvidos diretamente no evento reagiram à crítica do presidente.

Para o padre Revislande Araújo, a preocupação com a Amazônia por parte da igreja católica já é antiga. “Isso não procede. A igreja do Brasil, em 1979, já havia feito uma campanha que levava os olhos do mundo ao meio ambiente como um todo. O que o Papa fez convocando o Sínodo foi justamente fazer com que toda a igreja católica espalhada pelo mundo inteiro possa olhar para a Amazônia e o que ele chama de cuidar da casa comum. Cuidar não somente da floresta amazônica, mas do meio ambiente, da vida dos ribeirinhos, da vida do caboclo amazônico, mas dentro de uma dimensão pastoral. Há sete dias começamos os 40 dias de oração para o Sínodo. Todos os dias estamos rezando”, afirma.

O padre Paulo Mota destaca que o presidente está fora da realidade do que significa o evento. “Infelizmente é um governo desesperado em relação à questão de soberania da Amazônia. Acho que falta é começar a trabalhar. Saímos de um extremo para outro extremo e não chegamos a um meio termo capaz de dar uma continuidade boa para o Brasil. Bolsonaro está fora da realidade. Ele acha que o Sínodo foi pra contrapor o governo dele, mas não se realiza sínodos dessa magnitude de um ano para o outro. Isso foi pensado ainda em 2014. A igreja vai reagir tranquila com relação a isso”, destaca.

Segundo o padre Lúcio Nicoletto, a igreja acompanha a atitude do governo com muita preocupação. “Não faz sentido essa crítica e faz parte de uma dimensão democrática quando a igreja se reconhece em primeiro lugar como uma comunhão de pessoas que se sentem cidadãos. É uma lástima ver essa atitude, porque quando a igreja se reúne em um Sínodo é exatamente para dialogar e oferecer seu posicionamento a partir dos valores do evangelho sobre uma determinada situação que abrange esse caso. É um jeito para dialogar. O fato que as partes políticas estejam interpretando isso como politicagem ou ideologia dói muito, pois não tem nada a ver”, afirma.

A representante da UFRR que está participando do Sínodo, Márcia Maria de Oliveira, destaca o que chamou de “obsessão com teorias da conspiração”. “Na verdade, estamos vivendo um governo militar e essa obsessão com teorias da conspiração. Se o governo está sendo afrontado com isso, que ele tome as providências para melhorar, criar alternativas e soluções. Ficar nessa crítica não leva a nada. A questão das queimadas que levantou um debate mais forte aconteceu na Bolívia também e o que o governo da Bolívia fez foi negociar, intervir e chamar ajuda de fora para conseguir lidar com problema. O governo do Brasil faz o que? Cria uma polêmica e não resolve nada, e isso vai abrindo brechas para reconhecimento da sua inoperância frente a temas internacionais”, opina Márcia.

ABIN acompanha preparatória para o Sínodo em Roraima

Representante de Roraima, Márcia Maria Fernandes, reportou a presença de representantes da Abin e do Exército (Foto: Divulgação/Márcia Maria Fernandes)

A representante Márcia Maria de Oliveira ainda destacou a presença de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Exército nos encontros realizados para o evento. “Pessoal da Abin está nos acompanhando desde o início das assembleias pré-sinodais, inclusive, na assembleia aqui de Boa Vista, dois eram da Abin. Fui num seminário também relativo ao evento e oito pessoas estavam lá como representantes da Abin. O exército foi na Repam [Rede eclesial Pan-Amazônica] em Brasília, levou material, fez perguntas e participou dos encontros”, revela ainda. 

No mesmo encontro em que falou sobre o Sínodo da Amazônia ser um evento político, Bolsonaro comentou que grandes grupos estariam sendo monitorados. Para Márcia, o Sínodo e todos os eventos relacionados a ele são abertos para a comunidade. “Os seminários são abertos. Desde o início ficou muito claro de que era para quem estava interessado em discutir, buscar soluções, pistas e caminhos. Não tem nada a esconder e essa obsessão por teorias da conspiração é um problema do governo. O único país que tem essa obsessão é o Brasil e os outros nove países não têm problema, foi tranquilo e com discussões maduras. Na Colômbia, que possui um governo neoliberal, foi extremamente tranquilo, sem polêmica, uma discussão séria. A única polêmica é no Brasil, infelizmente”, finaliza.

Representantes de Roraima irão participar do Sínodo 

Três pessoas vão representar o estado de Roraima: Dom Mário Antônio da Silva, como bispo sinodal, a perita em Migrações, Cidades, Fronteiras da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Márcia Maria de Oliveira, além do padre Vanthuy Neto, que estará como consultor.

Segundo a perita em Migrações, Cidades e Fronteiras, Márcia Maria de Oliveira, os dois pontos principais do evento são discutir a ecologia integral e os caminhos da igreja na região amazônica. “A principal questão que se coloca ali é referente à igreja e seu papel, inclusive, o tema do sínodo é buscar o rosto da igreja nessa região à luz da ecologia integral. Vamos falar sobre os desafios que envolvem a igreja e como ela está na sociedade, sendo assim, o Sínodo tem dimensões políticas, econômicas, sociais, culturais e a religiosidade perpassa todas essas dimensões”, afirma.

No evento também participarão oito peritos responsáveis por dimensões específicas do debate na Amazônia. No caso, a professora da UFRR, Márcia Maria de Oliveira, ficará à disposição das discussões envolvendo as cidades dentro do contexto amazônico. “São questões que são colocadas como grandes desafios e primeiro é preciso pensar a caminhada da igreja católica nessas dimensões todas. O sínodo vem insistindo muito que a igreja assuma a defesa dos povos dessa região e acionar essa dimensão de proteção com os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, mas isso envolve as grandes cidades também. Minha contribuição é pensar migrações, fronteiras e cidades nessa região toda. Tem uma dimensão importante de pensar as cidades, como problema, como solução, como espaço de troca de vivência e conseguimos colocar nossas impressões falando sobre o assunto”, afirma.

A reportagem procurou ainda os outros representantes do estado, o bispo Dom Mário Antônio da Silva e o padre Vanthuy Neto, para conversar sobre o assunto, mas, por motivo de viagem deles, não conseguimos contato.