ANA GABRIELA GOMES
Editoria de Cidade
Nenhum dos mais de 200 servidores demitidos pela Companhia Energética de Roraima (Cerr) recebeu a multa rescisória referente aos 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A informação foi dada à Folha nesta segunda-feira, 13, pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Urbanitários do Estado de Roraima (Stiu-RR), Gissélio Cunha, que afirmou ter tomado medidas judiciais para resolver a situação.
As demissões começaram a acontecer logo após a perda da concessão da Cerr para distribuir a energia para os municípios do interior, em janeiro de 2017. Desde então, o Stiu recebe constantemente servidores e familiares de servidores falecidos que buscam os direitos previstos na legislação. A maioria dessas pessoas, segundo Cunha, mora no interior e precisou encontrar meios alternativos para viver.
“A Cerr tem vários tipos de contrato de trabalho. Entre os demitidos, a maioria foi contratada com carteira assinada há quase 30 anos”, disse. Em sua avaliação, o presidente declarou que a companhia se esquivou da responsabilidade trabalhista por meio da súmula 363 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O documento trata do contrato nulo e prevê que, no caso de dispensa, o servidor não tem direito à rescisão.
Desde o ano passado, Cunha pontuou que a Cerr chegou a ceder alguns poucos servidores a outros locais, como Corpo de Bombeiros e Secretaria de Educação. No entanto, a medida não é garantida e não acontece com todos. “A gente sabe que o Governo tem muito cargo comissionado, e na Cerr não é diferente. Para resolver, ou amenizar, a vida desses demitidos, o sindicato está buscando uma solução semelhante ao Amapá”, contou.
Naquele estado, o governo criou uma Secretaria em Extinção para alocar servidores em situação similar aos da Cerr. A ideia já foi levada a alguns deputados estaduais que demonstraram interesse e, atualmente, o sindicato está cogitando elaborar um projeto de lei para apresentar oficialmente. O objetivo é um só, segundo ele: garantir o recebimento da multa rescisória, que não foi paga.
Em Roraima, o Stiu representa quatro empresas, sendo duas já atingidas pela privatização: a Cerr e a Boa Vista Energia. “Falar da demissão é falar da privatização, porque privatizar é demitir em massa. E isso mexe com a cabeça de quem é demitido”, ressaltou. Inclusive, junto ao sindicato há casos de pessoas que estão em tratamento psicológico e físico devido aà demissão e o não recebimento de direitos.
O presidente declarou que a Cerr não possui exame periódico junto aos servidores, de modo que se o empregado tiver uma doença, a mesma não consegue ser identificada. Entre os que foram demitidos também não houve o exame demissional. Um dos casos mais graves recebidos pelo Stiu é de um empregado que foi demitido com câncer e que agora espera pela audiência judicial para conseguir reintegração e a ação rescisória.
OUTRO LADO – Em nota, a Cerr esclareceu que não há possibilidade de reintegrar servidores demitidos, tendo em vista que a empresa perdeu a concessão de funcionamento e consequentemente deixou de arrecadar e operar nos 14 municípios do Estado desde janeiro de 2017.
Informou ainda que os prestadores de serviços desligados pela empresa possuíam contratação considerada irregular pela Justiça do Trabalho, conforme o processo 0000203-38.2017.5.11.0000 (IUJ). Na decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, todas as contratações sem concurso público, na Administração Indireta, após a promulgação da Constituição de 1988 são nulas. A nota esclareceu ainda que na decisão consta que os trabalhadores têm direito apenas ao recebimento do saldo de salário e FGTS, “valores regularmente depositados”, concluiu.
Demitidos aguardam por benefício até hoje
Sozinha e com uma filha prestes a dar à luz. Foi assim que uma servidora de 49 anos que preferiu não se identificar se viu ao ser demitida após 26 anos de atuação junto à Cerr e um ano após o falecimento do genro. E não parou por aí. Após o choque de realidade veio a luta contra depressão. “Graças a minha mãe, que me ensinou a ser guerreira, eu consegui ir atrás de um emprego. O mesmo não aconteceu com outros colegas que, depois de 20 anos, saíram sem nada. Até a justiça parece injusta nessas horas”, relatou.
Mais de dois anos após a demissão, ela ainda aguarda pelo processo judicial para receber a multa rescisória. Quem também espera pela justiça é a esposa de um antigo servidor da Cerr que chegou a procurar ajuda funerária à época da morte e não conseguiu. “Depois de um tempo voltei à empresa para saber do recebimento dos benefícios do meu marido e me mandaram não voltar lá. Que não tinha nada pra receber e que se fosse pra voltar, que fosse com meu advogado. É triste. Ele trabalhou mais de 20 anos para não receber nada?”, lamentou.