ANA GABRIELA GOMES
Editoria de Cidade
A condição de trabalho análogo à de escravo tem múltiplos viés. Há quem ainda seja levado a memórias históricas e imagine correntes, chicotes e senzalas. Mas não se resume a isso. O ano é 2020 e, em Boa Vista, as situações constatadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) envolvem, principalmente, condições degradantes de trabalho. De 2019 para cá, a Procuradoria de Boa Vista recebeu 12 inquéritos e processos judiciais alusivos aos temas: trabalho do migrante e condições análogas a de escravo.
Segundo a procuradora do Trabalho, Safira Nila, as condições degradantes verificadas pelo MPT correspondem a migrantes, em sua maioria jovens do gênero masculino e com qualificação profissional, que trabalham em fazendas, ou locais semelhantes, sem alojamento e outras condições mínimas, como acesso a água e alimentação básica. “Essas conjunturas configuram uma condição de trabalho análoga a de escravo, potencialmente se estiverem reunidas”, explicou.
Há, ainda, outras irregularidades relacionadas ao trabalho de imigrantes na capital, como o não pagamento de salários mínimos e a não assinatura da carteira de trabalho. Durante as inspeções realizadas, também foram constatadas situações onde imigrantes trabalhavam em obras sem nenhum equipamento de proteção individual. Conforme Safira, em casos onde o órgão identifica as circunstâncias descritas, um inquérito de ofício é instaurado de imediato.
No combate ao crime, o MPT tem agido constantemente em grupos móveis, nos quais foram constatadas situações análogas à de escravo, além de estimular a população a reconhecer imigrantes nessa situação para que a denúncia seja feita. De acordo com a procuradora, grande parte dos casos chega a conhecimento por meio de denúncias anônimas ou sigilosas, feitas pelo site do MPT e Disque 100. O inquérito civil é instaurado em seguida, podendo resultar em ação judicial ou termo de ajustamento de conduta (TAC).
De modo geral, é de se esperar que o crescimento populacional que a imigração traz acarrete, entre outros, no aumento de irregularidades de trabalho análogo à de escravo. Ciente disso, Safira destacou que a atuação do MPT não é somente voltada ao imigrante. “No entanto, tem sido verificado que, talvez por estar em situação de maior vulnerabilidade, a maioria dos casos constatados são de trabalhadores imigrantes venezuelanos”, esclareceu.
PUNIÇÃO – Os envolvidos na liderança de trabalhos análogos podem sofrer multa por parte de auditores fiscais do trabalho e, por parte do MPT, pode ser firmado um TAC com multa e cobranças de danos morais coletivos e/ou individuais. De acordo com a procuradora, pode ocorrer ainda a prisão em flagrante, a depender da situação verificada e/ou denunciada.
Campanha do MPT visa à erradicação de trabalho escravo com imigrantes
Procuradora do Trabalho, Safira Nila, “Quando a crise é econômica, perdemos dinheiro. Quando é política, perdemos confiança. Mas quando é humanitária, jamais podemos perder a empatia” (Foto: Diane Sampaio/FolhaBV)
No combate à xenofobia e erradicação do trabalho análogo a de escravo, o Ministério Público do Trabalho (MPT) lançou em Roraima a campanha publicitária “Dignidade não deve ser um luxo”. A abrangência, no entanto, será nacional, tendo em vista os imigrantes que residem em outras cidades por meio dos processos de interiorização. A procuradora do Trabalho, Safira Nila, declarou não esquecer os efeitos negativos da crise, mas destacou ser necessário o exercício de se colocar no lugar do outro e enxergar os efeitos positivos que o fenômeno trouxe, como o aumento de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) local entre 2016 a 2017 e o recorde de arrecadação do ICMS. “Em 2016, tínhamos mais de 3 milhões de brasileiros que saíram do país em busca de melhores condições. Atualmente, temos mais brasileiros fora do país, do que imigrantes em território nacional”, relatou. Além do estímulo à empatia, a campanha publicitária visa também o recebimento de denúncias em caso de imigrantes em condições de trabalho análogo à escravidão.