ANA GABRIELA GOMES
Editoria de Cidade
Se tornou corriqueiro percorrer as ruas da capital e encontrar indígenas em situação de vulnerabilidade e sob efeito alcoólico. E eu não estou falando somente de adultos. Crianças e jovens, muitas vezes alcoolizados com os próprios pais, têm sido constantemente retirados dos familiares e encaminhados a abrigos e unidades de saúde sob proteção legal. Desde então, autoridades vêm discutindo soluções, sendo uma delas a criação de uma rede de proteção.
Nesta quarta-feira, 11, a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB Roraima realizou uma reunião com instituições governamentais e não governamentais para tratar sobre a situação de vulnerabilidade de crianças e adolescentes indígenas das ruas dos municípios de Roraima. O evento ocorreu no auditório do Ministério Público Federal (MPF) e contou com a participação de conselheiros tutelares, autoridades da Fundação Nacional do Índio (Funai) e outras instituições indígenas, além de outros representantes.
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Roraima, Denise Cavalcanti, ressaltou a importância de criar uma rede estruturada para atender o público. “Precisamos proteger a infância indígena, temos crianças e jovens em situação de vulnerabilidade pelas ruas. A legislação brasileira garante a proteção integral e a prioridade absoluta, sendo indígenas ou não”, disse.
Segundo Denise, é a primeira vez que as autoridades envolvidas no assunto se reúnem em prol de encontrar uma solução e formar, efetivamente, uma rede de proteção para o público menor de idade. O líder yanomami e presidente da Hutukara Associação Yanomami, Davi Kopenawa, também destacou a necessidade de uma solução. “Não temos apoio para conseguir ajudar essas pessoas”, contou.
A falta de apoio, no entanto, também é sentida por outros agentes. Conforme relatos de profissionais que atuam junto ao público, além da omissão por parte do Governo do Estado, com ênfase na área da saúde, um dos principais obstáculos enfrentados atualmente é a falta de um tradutor durante o contato com os indígenas. Sem o devido diálogo, os pais ficam sem entender o motivo de terem seus filhos tirados de si, por exemplo.
“Esses dias encontramos uma criança totalmente bêbada com a mãe. Tentamos conversar com ela, dizendo que precisaríamos levar a criança para uma unidade de saúde e ela não deixou”, relatou. A equipe conseguiu internar a menor no Hospital da Criança Santo Antônio. No entanto, horas depois a mãe conseguiu tirar a filha do local ao entrar na unidade com um pedaço de pau nas mãos.
Uma agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que também preferiu não se identificar, ressaltou que tem sido constante a presença de indígenas nas BR’s do Estado, sob efeito de álcool. Para ela, o principal problema é a falta de orientação na hora de tirar essas pessoas das rodovias. “Já passamos um plantão inteiro com crianças que estavam em rodovias sem saber onde deixar. Não sabemos como lidar no sentido de prevenir esse tipo de situação”, falou.
MPF entrou com ação em 2019 mas ainda não foi julgada
Visando remediar o cenário de desagregação cultural e prevenir o agravamento do problema envolvendo indígenas na área urbana, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou em agosto de 2019, a Ação Civil Pública 1001487-66.2019.4.01.4200, em trâmite na Justiça Federal de Roraima. Na ação, foram requeridas medidas de urgência em face da União, da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Estado de Roraima e dos municípios afetados, a fim de que os entes implementem ações de curto e de longo prazo, para enfrentar a situação. A liminar pleiteada na ação compreende medidas de proteção integral às crianças e adolescentes, como promoção da saúde (inclusive saúde mental), resgate cultural (como assistência indigenista para políticas produtivas) e promoção da educação. Entretanto, mesmo com quatro petições retificando a urgência do caso, a liminar não foi apreciada.