Cotidiano

Vice-governador recorre ao CNJ para pedir anulação de julgamento indígena

Conforme a Medida Cautelar, júri formado apenas por indígenas fere o Código de Processo Penal e as disposições constitucionais

O vice-governador Paulo Cesar Quatiero (DEM) entrou com ação, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com pedido de providências de Medida Cautelar para decretar a nulidade do julgamento realizado em 23 de abril deste ano na comunidade de Maturuca, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Município de Uiramutã, Nordeste do Estado, que pertence à Comarca de Pacaraima do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR).
O recurso pede a anulação de todos os efeitos do júri por incompatibilidade com a previsão legal do Código de Processo Penal e as disposições constitucionais, bem como que seja reconhecida a ausência de amparo legal e constitucional para a realização deste tipo de procedimento de Justiça especial e a vedação de sua prática em todo o território nacional.
Entre os argumentos apresentados pelo vice-governador na ação, ele cita que, apesar de ter sido anunciado como “primeiro júri popular indígena do país” para o julgamento de um crime de homicídio, na forma tentada, ocorrido no âmbito de uma comunidade indígena, com réus e autores indígenas, conforme constante nos autos da ação penal, mas que só teve acesso quem estava credenciado. Além de ter citado o Código Penal referindo-se ao fato de que todos os jurados que participaram do julgamento eram apenas da mesma etnia.         
“Isso é completamente ilegal e trata-se de um afronta à Constituição e ao Código Penal”, disse Quartiero. “Daqui a pouco, nos julgamentos, vamos estar apelando também para o Canaimé e para o Curupira e todas as superstições e crenças no lugar de nosso direito arduamente conquistado”.  
Diante dos fatos apresentados ao CNJ, Quartiero acredita que o julgamento seja anulado e já levanta um questionamento sobre os gastos com a realização do julgamento. “Como será feito para ressarcir o tesouro público do gasto extraordinário para fazer esse julgamento no Maturuca?”, questionou. “Teve gastos com logística e estadia, além do deslocamento da polícia para fazer segurança. Isso é pago com os impostos que nós contribuímos”. 
Na ação, ele informou que o júri foi composto por quatro homens e três mulheres das etnias Macuxi, Ingaricó, Patamona e Taurepang, dentre eles o filho da vítima, o proprietário do bar onde ocorreu a tentativa de homicídio e o homem que, segundo os réus, teria dito que a vítima estava sob a influência do “espírito do mal” Canaimé. (R.R)
Julgamento é nulo de pleno direito, afirma promotor
O promotor de justiça do Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR), Carlos Paixão, que foi designado para auxiliar o promotor Diego Oquendo, da promotoria de Pacaraima, durante o julgamento indígena na Raposa Serra do Sol, disse que o ato é nulo de pleno direito e que o MP já recorreu do julgamento junto ao Tribunal de Justiça de Roraima.
“Esse julgamento fere o artigo 436 do Código de Processo Penal, uma vez que no mês de novembro é publicada a lista geral de jurados da Comarca, para fins de julgamento, mas no julgamento foi formada uma lista só com jurados indígenas daquela região, o que o Código veda e diz que pessoas variadas devem participar desse tipo de ação. O que se viu ali foram pessoas de comunidades indígenas escolhidas para figurarem a lista de jurados”, frisou.        
Carlos Paixão discorda de terem levado o julgamento para ser feito na terra indígena. “Esse julgamento não poderia ter sido lá, mas na sede da Comarca, em Pacaraima. Os índios acabam sendo quase que parentes, e o julgamento é nulo por tudo isso”, disse.
Outro ponto destacado pelo promotor é quanto à autoridade do tuxaua, que não é contestada pelos indígenas. “Quando um tuxaua fala em plenário que ele quer que o réu seja absolvido, como é que os índios vão votar para condenar?”, questionou. “Ele foi testemunha arrolada pela defesa e indaguei se queria que fosse condenado ou absolvido, e ele disse que queria que fosse absolvido. Como os índios vão votar para condenar?. Isso depois de admitir que a vítima sofreu a lesão, que o réu queria matar e que não matou por circunstâncias alheia a sua vontade. Aí vem o quesito: absolve? Como a liderança queria que ele fosse absolvido, eles absolveram”, frisou.
O julgamento absolveu um dos réus da tentativa de homicídio e condenou o outro por lesão corporal leve em julgamento que durou mais de 13 horas. No processo, consta que Elsio e Valdemir da Silva Lopes foram acusados de tentar matar Antônio Alvino Pereira, todos da etnia Macuxi, em uma briga no Município de Uiramutã, no dia 23 de janeiro de 2013.
Durante a briga, Elsio e Valdemir cortaram o pescoço e o braço de Antônio alegando, posteriormente, legítima defesa contra a vítima, que estaria dominada pela entidade indígena Canaimé, um “espírito do mal”, e deveria ser morta de acordo com as tradições culturais indígenas.
Em entrevista realizada momentos depois do julgamento, os promotores Diego Oquendo e Carlos Paixão, falando sobre a decisão final do júri, afirmaram que a sentença é contrária às provas do processo, em que ficou claro que houve a lesão corporal grave por parte do réu absolvido. Eles atribuíram a absolvição dele a não compreensão dos jurados sobre os questionamentos feitos no julgamento.
No Tribunal do Júri Popular, é procedimento, após os debates, o juiz apresentar uma série de perguntas simples aos jurados, chamadas de “quesitação”, em que ele questiona sobre o crime. A essas perguntas os jurados devem responder “sim” ou “não”.
Às perguntas iniciais sobre Elsio, o júri respondeu que houve a tentativa de homicídio e atribuiu a culpa a ele. Mas, apesar disso, decidiu absolvê-lo. Por isso, o promotor Carlos Paixão considerou a decisão “juridicamente legal, mas desconexa”. (R.R)