O processo de licenciamento ambiental de um linhão de transmissão de energia que vai conectar Roraima ao sistema elétrico do restante do país deve ser retomado no próximo mês, após período de paralisação devido à pandemia de Coronavírus, disse à Reuters a Fundação Nacional do Índio (Funai).
O projeto, que está sob responsabilidade de um consórcio entre a privada Alupar e a estatal Eletronorte, da Eletrobras, foi licitado ainda em 2011 e declarado prioridade nacional pelo governo do presidente Jair Bolsonaro no ano passado, mas sequer teve as obras iniciadas por dificuldades no licenciamento.
O processo de liberação ambiental para começo das obras ainda depende do chamado “componente indígena”, a cargo da Funai, uma vez que as instalações de transmissão precisariam atravessar 122 quilômetros em terras da etnia Waimiri-Atroari.
Essa fase envolve a realização de reuniões com os índios para apresentar a eles o projeto e a tradução de documentos técnicos sobre o empreendimento para idiomas dos nativos, o chamado Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI).
“A tradução do PBA-CI consolidado teria início em março de 2020, o que não foi possível em razão da pandemia. Na data de hoje, os indígenas informaram à Funai a possibilidade de se retomar as atividades de tradução no dia 15 de outubro, desde que seguidos os protocolos de saúde”, disse a Funai em nota à Reuters na noite de sexta-feira.
As exigências dos Waimiri-Atroari, que quase foram extintos durante as obras de construção da BR-174 nos anos 1970, também incluem atendimento de sugestões de uma associação que defende os interesses da etnia, a ACWA.
A Funai acrescentou que pretende agendar uma primeira reunião com os índios, “em data a ser acordada”, e que está trabalhando para definir medidas que reduzam riscos para os indígenas devido ao coronavírus.
“A Funai tem desenvolvido, com o apoio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), um protocolo para a realização de reuniões presenciais e virtuais, a fim de dar continuidade às atividades de consulta com segurança e respeitando todas as medidas sanitárias para que não haja riscos à comunidade”, afirmou.
O longo e complexo processo de licenciamento do empreendimento gerou críticas do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a afirmar em janeiro que o governo sofria “achaque” de índios e de organizações não-governamentais nas negociações pelo linhão.
Mas a chegada do Coronavírus ao Brasil atrasou ainda mais o processo, uma vez que os Waimiri-Atroari se isolaram para reduzir riscos de contaminação, o que paralisou os trabalhos para tradução de documentos e consulta a eles sobre o projeto.
Segundo a Funai, a última versão do PBA-CI já contém ajustes por ela solicitados e é considerada “apta para tradução aos indígenas”. Uma fonte que acompanha as tratativas disse que a Funai deve agendar uma videoconferência com os índios ainda nesta semana para tratar de detalhes sobre como se daria a retomada dos trabalhos de licenciamento.
Essa reunião online poderia ocorrer na quinta-feira, de acordo com a fonte, que falou sob a condição de anonimato. Uma vez emitida a licença ambiental, o linhão levaria 36 meses para ser construído, segundo projeção do Ministério de Minas e Energia.
“Estamos no momento de ouvir as comunidades indígenas, como prevê a OIT 169, e atentos às questões de segurança e saúde das partes interessadas, caminho da obtenção da licença de instalação”, disse a pasta, em nota.
Não foi possível contato com a associação ACWA, que representa os Waimiri-Atroari. Eletrobras Eletronorte e Alunorte não responderam pedidos de comentários sobre o andamento do projeto.
REEQUILÍBRIO
A Transnorte Energia, associação entre Alupar e Eletronorte responsável pelo linhão, chegou a pedir à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) um aumento da receita anual permitida para o projeto, ao alegar custos extras gerados pelo atraso e exigências ambientais.
O pleito não foi totalmente atendido pela Aneel, que autorizou um aumento abaixo do pedido pela empresa. Questionada sobre o pleito da Transnorte, a pasta de Minas e Energia disse que o tema deve ser resolvido em breve.
“Quando a licença for emitida será possível a formalização da solução para o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e a assinatura de termo aditivo ao contrato de concessão para início das obras”, disse o ministério, sem detalhar.
O linhão de transmissão de energia, que será construído entre Boa Vista (RR) e Manaus (AM), foi desenhado para conectar Roraima ao sistema interligado do Brasil e livrar o Estado da região Norte da dependência de importações de energia da Venezuela.
Essas importações acabaram interrompidas a partir de 2018, em meio à intensificação da crise econômica e política da Venezuela sob o comando do presidente Nicolás Maduro.
Com isso, Roraima tem sido suprida por termelétricas a óleo que demandam mais de 1 bilhão de reais por ano em custos de compra de combustível, valor que é rateado entre todos consumidores de energia do Brasil.
*Com informações Agência Reuters