A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Saúde, da Assembleia Legislativa de Roraima, realizou mais uma oitiva nesta terça-feira, 30, desta vez para apurar irregularidades em contrato firmado entre a Sesau (Secretaria Estadual de Saúde) e uma empresa que comercializa produtos hospitalares, para aquisição de medicamentos orçado inicialmente em cerca de R$45 milhões.
Duas testemunhas prestaram esclarecimentos e foram inquiridas pelos membros da CPI, sendo elas Marciana Batista Carneiro, ex-pregoeira da Sesau, e o servidor público Gerson Castro, à época gerente especial de cotação da pasta.
A Sesau teria adotado como base para a compra dos medicamentos a tabela Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), conduta questionada pelos membros da Comissão, por não ser considerado parâmetro de preço mínimo e, sendo inclusive, seu uso questionado m licitações públicas contraria decisões de tribunais superiores e recomendações das controladorias gerais.
“A Cmed apresenta o preço máximo que cada medicamento deve ser comercializado, por isso o TCU e os tribunais afirmam que esses valores não são referência para refletir o mercado. Então se a empresa der 100%, 200%, 300% de desconto com base nessa tabela, ela vai ter superfaturado do mesmo jeito”, afirma o relator da CPI, deputado Jorge Everton (MDB).
Ainda de acordo com o relator, a Súmula 247, do Tribunal de Contas da União (TCU), é obrigatória nos editais de licitação a admissão da adjudicação por item e não por preço global, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto. Nesse sentido, a Sesau contrariou a norma quando optou pelo fornecimento de lote de “A” a “Z”, sem que para cada item licitado, não fosse possível haver um licitante vencedor distinto. “O único estado da federação no qual esse tipo de licitação teve sucesso foi o de Minas Gerais, curiosamente o estado sede da empresa, a vencedora da licitação”, disse.
Ao ser inquirida com relação ao contrato e às normas vigentes, bem como do parecer da Controladoria-Geral do Estado (CGE) apontando falhas no processo, a ex-pregoeira Marciana Batista, apesar da função exercida, afirmou desconhecer, tanto as normas como o teor do parecer. “Como pregoeira me ative a fase externa, antes e depois disso eu não tenho muito conhecimento”, ponderou.
Os membros da CPI também questionaram se a ex-pregoeira sofreu alguma coerção e/ou participou de alguma reunião com relação ao andamento do processo, já que existia parecer da CGE, dando ênfase à Súmula 247.
A depoente disse ter sofrido pressão na confecção do termo de referência, até por causa da utilização da tabela Cmed e concluiu o depoimento afirmando que “o coordenador da CGAF [Coordenadoria Geral de Assistência Farmacêutica] à época, Humberto [Alves Nogueira], bateu muito para que isso fosse feito”, e que ela nunca teria participado de nenhuma reunião. “Sei que tinha muita reunião entre a Sesau, a CGAF, a questão do jurídico, pois sei que estudavam bastante como fazer ou não fazer esse processo”.
O segundo depoente, Gerson Castro, que era responsável pelo setor de cotação de preços da Sesau, inicialmente explicou como se dava a cotação e que, dependendo da natureza do processo, um corpo técnico era requisitado para auxiliar na cotação. “Trabalhávamos com o banco de preços, com o banco de preço em saúde, o site de domínio amplo e, às vezes, consultávamos as empresas, em seguida fazíamos a média de todos os bancos consultados”.
O relator, argumentou que da forma como foi ilustrada pela testemunha, a cotação sempre apresentaria desequilíbrio, já que não excluía o preço maior e menor. Além disso, no processo analisado pela CGE, a Sesau se limitou em dizer que foi realizada uma consulta de preços ampla, mas sem disponibilizar os documentos que embasam a estimativa de preço, que é imprescindível desde 2015, em acórdão do TCU.
“O processo não tem os parâmetros de como se chegou ao valor estimado de R$45 milhões para compra dos medicamentos. Só fala que foram consultadas diversas fontes e numa previsão de quanto seria gasto, e o que espanta é ver esse parecer da CGE e não se fazer nada”.
O relator ainda acrescentou que ao longo do tempo os valores do processo foram revistos. “Estava orçado em R$ 45 milhões e a venceu com R$18.770.186. Ainda assim, é feita uma nova cotação e chegou a R$12. 456. 406, 78 centavos”.
Segundo a testemunha, após a escolha da licitante, o percentual de desconto auferido pela empresa era novamente cotado para a parametrização e depois o processo seguia. “A gente só verificava se esse preço aqui tá mais, esse aqui tá menos, e depois a gente devolvia para quem solicitou a CGAF ou para CSL [Comissão Setorial de Licitação]”.
Com relação ao caminho que os processos percorriam até chegarem aos órgãos de controle externo do estado, o depoente disse que “antes de irem para a Procuradoria [Geral do Estado] ou Controladoria passavam pelo jurídico da Sesau”, que, por sua vez, encaminhava para os demais setores e o controle externo. “Então caso não houvesse apontamentos de irregularidade no seu próprio setor, ele desconhecia os demais trâmites”.
CPI
Instalada na Assembleia Legislativa de Roraima em agosto de 2019, a CPI da Saúde é formada pelos seguintes parlamentares: Coronel Chagas (PRTB) – presidente; Nilton Sindpol (Patri) – vice-presidente; Jorge Everton (MDB) – relator; Lenir Rodrigues (Cidadania); Eder Lourinho(PTC); e Renato Silva (Republicanos).
A CPI investiga possíveis irregularidades em processos firmados pela Sesau desde 2015, bem como no período da pandemia. Ao todo, 40 processos estão sob investigação e quase 70 testemunhas ouvidas, entre eles pessoas jurídicas, exs e atuais servidores e ex-secretários de saúde.
No dia 22 de março, a CPI firmou parceria com a Polícia Civil de Roraima, com apoio da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Administração e Serviços Públicos, para investigação minuciosa sobre a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico de 10 pessoas, físicas e jurídicas, envolvidas em processo para compra e aquisição de insumos pela Sesau no período de pandemia do novo coronavírus.