O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a preferência da União em relação a estados, municípios e Distrito Federal na cobrança judicial de créditos da dívida ativa não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A maioria do colegiado seguiu o entendimento da relatora, ministra Cármen Lúcia, que propôs a invalidade de dispositivos do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966) e da Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/1980), além do cancelamento da Súmula 563, editada pelo Supremo em 1976.
O governo do Distrito Federal, autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 357, alegava que as normas impugnadas prejudicavam a recuperação da dívida ativa e as contas dos governos locais. O concurso de preferência, segundo o executivo distrital, violava, ainda, o pacto federativo. Por essa razão, requereu a declaração de sua não recepção pela Constituição atual.
Por outro lado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela improcedência do pedido por entender que o tratamento prioritário concedido à União, ao contrário de ofender o princípio federativo, “dá-lhe efetividade, por permitir que os recursos arrecadados sejam empregados na correção de desequilíbrios regionais”.
Histórico do federalismo
Lembrando que a discussão a respeito do tema não é nova no Supremo, a relatora observou que as Constituições brasileiras não comportavam, até a Emenda Constitucional 1/1969, norma expressa impeditiva da discriminação entre os entes federados, o que viabilizou, durante longo período, o concurso de preferência e prevalência de uns entes federados sobre outros.
Para contextualizar o tema, Cármen Lúcia traçou um histórico do federalismo por meio dos votos de ministros, nas décadas de 1960 e 1970, que moldaram a formulação, em 1976, da Súmula 563. A interpretação indicava a preferência da União na execução fiscal como compatível com o texto constitucional vigente na época.
Nova ordem constitucional
“O tema é sensível e merece ser reapreciado à luz das normas constitucionais inauguradas pela Constituição de 1988”, observou a ministra em seu voto. Para ela, após a promulgação da Constituição de 1988, os entes federativos se tornaram autônomos, e o tratamento entre eles passou a ser isonômico.
De acordo com a ministra, a repartição de competências é o “coração da Federação” que, diante da complexidade política e geográfica do território brasileiro, deve se pautar pela autonomia dos entes. No plano internacional, Cármen Lúcia ponderou que a União é soberana. Porém, no plano interno, ela “é autônoma e iguala-se aos demais entes federados, sem hierarquia, com competências próprias”.
A relatora concluiu que o estabelecimento de hierarquia entre pessoas jurídicas de direito público interno para crédito de tributos contraria o artigo 19, inciso III, da Constituição de 1988, que veda à União e aos demais entes federativos criar preferências entre si. Seguiram esse entendimento a ministra Rosa Weber e os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux.
Divergências
Ao elencar casos em que a União é prestigiada na dimensão fiscal do pacto federativo, o ministro Dias Toffoli defendeu que a ação fosse julgada totalmente improcedente. Ele citou que a receita decorrente de diversos tributos federais é partilhada entre União, estados, DF e municípios, como a arrecadação do Imposto de Renda e o Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA).
Já o ministro Gilmar Mendes julgou a ação parcialmente procedente, por avaliar que o texto constitucional daria sustentação a uma ordem de precedência para a União sobre as outras Fazendas Públicas, exclusivamente, em relação aos créditos tributários.