O gestor e técnico de futebol Marcelo Pereira é acusado de abandonar dois jogadores adolescentes, um de 15 e outro de 17, em seu apartamento em São Vicente, a 560 km de São Paulo, no litoral paulista. Os atletas teriam passado três meses no interior paulista, onde treinaram na pré-temporada de um clube de Roraima, que se preparava para o Estadual Sub-20.
Segundo a denúncia feita com exclusividade para a FolhaBV, pelo conselheiro tutelar Valbert Silva e pelos responsáveis dos adolescentes, Marcelo Pereira não teria cumprido as promessas feitas aos jogadores e seus familiares. Entre elas, treinos em gramados, transporte para os treinamentos, alimentação saudável, assistência médica e até testes em grandes clubes como o Santos.
“Ele não cumpriu o que prometeu. Nada! Ele retornou pra cá [Boa Vista] com o Sub-20, e deixou a gente lá. Não avisou nossos familiares. Fomos abandonados lá”, disse o atleta de 15 anos.
De acordo com os familiares, os garotos foram alojados primeiramente em uma colônia de férias em Praia Grande, cidade vizinha a São Vicente, e depois transferidos para um apartamento que seria do gestor. Eles afirmaram que os adolescentes saíram de Boa Vista com um patrocínio de R$ 800,00 mensal cada, dado por um tio de um deles que patrocinava a carreira dos meninos. Esse valor teria sido entregue para Marcelo Pereira durante a passagem dos atletas pelo interior de São Paulo.
“Chegando lá, só tinha treinamento na areia, driblando coqueiros. Ele prometeu campo de grama e academia. Poucas vezes treinamos na grama. Não era nada do que nós imaginávamos. Nem alimentação saudável tínhamos”, relatou um dos adolescentes.
Alimentação
O atleta de 15 anos relatou que a alimentação era “oleosa”, enquanto o colega disse à FolhaBV que chegou a comer comida estragada por não haver outra opção na geladeira. “O jeito foi comer, pra matar, disfarçar a fome”, disse.
Os dois disseram ter perdido até dez quilos por causa da alimentação recebida, o que impressionou os responsáveis pelos adolescentes. “Eu perguntei como estava o meu filho, ele disse que estava tudo ok, se alimentando, que o garoto tava todo saradão, em forma, mas quando fui ver, a coisa era outra”, relatou o pai do garoto de 15 anos.
Os garotos relataram, ainda, que houve ocasiões em que chegaram a andar por cerca de 20 minutos para o local de treino. Além disso, eles disseram que dormiam amontoados com outros atletas. “A gente dormia no colchão, porque como a gente estava em sete, três iam pra casa da irmã dele e ficavam quatro em casa. A gente botava um na cama em cima, uma cama que abria, um colchão embaixo e um colchão do lado”, relatou um dos adolescentes.
Quando se mudaram para o apartamento, os jogadores criaram coragem para relatar a situação aos responsáveis, que registraram um boletim de ocorrência contra Marcelo Pereira e acionaram o Conselho Tutelar de Boa Vista.
Segundo o conselheiro Valbert Silva, após saber da situação dos jovens, entrou em contato com o Conselho Tutelar de São Vicente, que tirou os adolescentes do apartamento e os colocou em uma casa de passagem da cidade paulista. “Na casa de passagem, a gente comia melhor do que no apartamento de Marcelo”, disse o garoto de 15 anos.
Para voltarem para casa, os jogadores tiveram que conseguir uma autorização da Justiça de São Paulo, o que possibilitou a eles chegarem a Roraima no dia 19 de outubro. O conselheiro tutelar de Boa Vista, Valbert Silva, afirmou que agora os passos seguintes serão: acolhimento pelo Centro de Referência de Assistência Social (Creas) para acompanhamento psicológico; e denunciar o gestor ao Ministério Público e ao Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente (NPCA), além de pedir medidas de proteção para os meninos.
“A gente deixa um alerta para os familiares, para quem tem criança e adolescente que desejar ser um profissional no futebol, pra que sejam cautelosos ”, disse Valbert.
Marcelo Pereira diz que assunto é uma “briga pessoal”
Procurado pela FolhaBV, Marcelo Pereira negou as acusações e disse que o assunto se trata de uma “briga pessoal”. Ele também mostrou à reportagem vídeo em que teria sido agredido pelo denunciante e outras duas pessoas em frente ao hotel onde mora, em Boa Vista. O material será entregue à Justiça.
Na entrevista, o gestor prometeu mover ação judicial contra os supostos agressores. Disse que também moverá ação por calúnia, difamação, injúria, ameaça de morte, agressão e falso testemunho contra um dos denunciantes. “Estão tentando denegrir a minha imagem”, disse.
O gestor disse acompanhar e ajudar na carreira de dezenas de jogadores, e que não teria nenhum problema com os outros. Marcelo Pereira, inclusive, mostrou à FolhaBV vídeo de um jogador lhe agradecendo pelo trabalho, além de outros materiais que mostram sua própria atuação no futebol em prol de talentos. “Não entendo por que só eles dois denunciaram”, afirmou.