Cotidiano

Leis estaduais de Roraima garantem apoio à comunidade trans

Uma lei de 2010, por exemplo, garante a travestis e transexuais a identificação pelo nome social em documentos de prestação de serviço

São poucos os transexuais que conseguem atravessar a linha da invisibilidade para assumir um lugar ao sol. Jonathan Kael de Moura, homem trans, professor e farmacêutico, que desde a infância sofreu para assumir quem ele realmente é, faz parte do pequeno grupo de pessoas trans que conseguem se impor no mercado de trabalho. Ele conseguiu se formar numa universidade e leciona numa escola de Boa Vista. Mas nem sempre foi assim.

“Parte da família e amigos não conseguiram aceitar minha vida. O lado paterno da família foi mais difícil de aceitar, porém hoje todos me respeitam”, contou.

Jonathan nasceu homem, mas nunca se identificou como tal. “Eu me identifico como ele, gênero masculino. Foi um processo bem longo, não tem como você dormir de um jeito e acordar de outro. Então, você tem que se identificar, como foi o meu caso desde que me entendo por gente”, explicou. 

Neste sábado (29), o Brasil comemora o país o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A data foi criada em 2004 e representa um marco na luta da população LGBTQIA+ por direitos e, principalmente, respeito. A transfobia (aversão ou discriminação contra a população trans) é uma realidade cruel e ainda muito presente na vida dessa parcela da sociedade e que leva as pessoas trans a abandonarem os estudos e enfrentarem dificuldades de inserção no mercado de trabalho, além do próprio risco de morte.

Apesar de conquistas recentes de cidadania por movimentos do grupo e mesmo com todos os esforços, o Brasil lidera o ranking de países que mais matam transexuais e travestis. Em Roraima, não existem dados atuais sobre casos de violência desse tipo, porém, a diretora financeira da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Roraima (Aterr), Rebeca Marinho, afirma que o cenário é preocupante, mesmo com alguns avanços.

“Nós temos uma sociedade que, por mais que já tenha um pouco de acolhimento e empatia, ainda é transfóbica, racista, sexista, mas isso vai perdendo a força quando você permite que outras pessoas abram o seu olhar, e as pessoas precisam olhar como profissional, e não como o olhar da minha identidade de gênero e a minha orientação sexual. É o meu profissional que se precisa enxergar, você precisa me contratar para tirar aquela imagem negativa que a sociedade colocou desde que a gente era jovem. Buscamos isso: educar as pessoas”, ressaltou.

O Centro Humanitário de Apoio à Mulher (Chame), da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), por exemplo, auxilia e acolhe mulheres LGBTQIA+ em situação de violência doméstica. “O atendimento é o mesmo, humanizado, com respeito e profissionalismo”, explicou a coordenadora Eliene Santiago.

Mesmo sem ter nenhuma ocorrência de pessoas trans, o Chame já participou de palestras e rodas de conversas com diversos grupos LGBTQIA+ de Roraima.

Leis estaduais de inclusão

Ao longo dos anos, deputados estaduais aprovaram políticas públicas para garantir os direitos dessa comunidade. Em 2013, por exemplo, a Assembleia Legislativa de Roraima aprovou a criação do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Estado de Roraima (CEDDP/LGBT-RR). A lei de autoria do Governo do Estado e acompanha a execução de políticas públicas para a população LGBTQIA+, destinadas a assegurar à comunidade o pleno exercício de sua cidadania.

Em 2010, a Assembleia também criou uma lei que assegura às pessoas travestis e transexuais a identificação pelo nome social em documentos de prestação de serviço, quando atendidas nos órgãos da administração pública estadual direta e indireta. Além disso, uma lei de 2017 declarou de utilidade pública a Associação Roraimense pela Diversidade Sexual de Roraima (DiveRRsidade), assegurando direitos e vantagens constantes da legislação vigente.

Conforme documento produzido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais Brasileiras (Antra), em 2020, o Brasil contabilizou 175 assassinatos de pessoas trans, sendo todas travestis e mulheres transexuais. Em 2021, foram 140. E os números da violência crescem com a falta de oportunidades e com o preconceito, segundo constatou Rebeca Marinho. Ela explica que o Poder Público deveria ser um aliado no processo de garantia de cidadania para homens e mulheres da comunidade LGBTQIA+ e que políticas de inclusão precisam incluir essa população, tirando da invisibilidade as pessoas trans.

“Sempre buscamos parcerias com instituições que dão suporte ao cidadão, como Defensoria Pública, Ministério Público, OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], delegacia de polícia, dependendo do grau em que o crime acontece, não deixamos passar impune nenhuma denúncia contra a população LGBTQIA+, mas também buscamos saber a verdade, ou seja, porque essa pessoa foi agredida. É essencial que haja essa parceria, pois esse é o papel das instituições, pois temos demandas que precisam ser atendidas”, destacou.

Documentário: dificuldades e preconceito

Num levantamento feito em 2016 pela ONG Grupo Gay da Bahia, considerando o tamanho da população, Roraima aparece como o estado mais perigoso para LGBTQIA+, com 6,15 mortes para um milhão de habitantes. No documentário produzido pela TV Assembleia “Intolerância que Mata”, foi possível conhecer a realidade de quem enfrenta o preconceito todos os dias e luta para ter um espaço digno na sociedade. O filme está disponível no YouTube pelo link https://youtu.be/y51bPqQI7nU.

Empatia e acolhimento

Em Roraima, a Aterr anos apoia e fortalece há 15 anos políticas de inclusão no Estado. Nessa sexta-feira (28), por exemplo, promoveu atendimentos gratuitos para a retificação do nome de pessoas transexuais e travestis. A ação visa corrigir a documentação do público-alvo. O atendimento foi feito no bairro Tancredo Neves, zona Oeste de Boa Vista, e contou com a parceria da Defensoria Pública (DPE-RR).