Cultura

Padre entrega ao papa pintura que denuncia o garimpo na Terra Yanomami

Obra foi pintada pelo artista roraimense Augusto Cardoso em 1989, época em que já denunciava as invasões ao território indígena

O padre Lúcio Nicoletto entregou ao papa Francisco a pintura SOS Yanomami, do artista plástico roraimense Augusto Cardoso, durante visita aos túmulos dos apóstolos conhecida como Ad Limina nesta segunda-feira (20), no Vaticano.

A obra foi pintada por Cardoso em 1989, em um quadro de tamanho 70×80 centímetros. Na pintura, o artista denuncia os principais conflitos vividos na Terra Indígena Yanomami já na década de 1980, como o garimpo ilegal, a destruição da floresta, a poluição dos rios e a pesca predatória.

Administrador diocesano de Roraima, Nicoletto acompanhou nesta segunda-feira uma comitiva formada por 17 bispos da Amazônia, entre eles, Dom Roque Paloschi, ex-bispo de Roraima e atual arcebispo de Porto Velho. As autoridades eclesiásticas também entregaram a Francisco um cocar indígena enviado pelos povos amazônicos.

Mitra ou cocar? Não poderia haver um presente mais característico para o #PapaFrancisco dos bispos vindo da #Amazônia, mais especificamente do Norte 1 (Estados do Amazonas e Roraima) e Noroeste (Acre, sul do Amazonas e Rondônia). pic.twitter.com/uj7GnUT3K7

— Vatican News (@vaticannews_pt) June 20, 2022

À Folha, o monsenhor revelou que o papa o perguntou sobre como estão as questões migratória venezuelana e indígena em Roraima. “Teve a possibilidade também de trocar não só ideias, mas também partilhar outras situações que acontecem em outros lugares da Amazônia, situações relacionadas sempre à questão dos indígenas, a defesa dos povos originários, frente aos inúmeros desafios que são apresentados pela dimensão política social atual, que testam bastante a paciência do povo”, disse.

“O papa nos convidou a não recuarmos diante das ameaças, dos desafios, vários setores da sociedade são apresentados, sobretudo, quando se fala em relação à autonomia, ao respeito da atividade dos povos indígenas em relação às próprias terras, às próprias conquistas, os próprios anseios e todas as problemáticas ligadas a uma situação que é decorrente de uma mentalidade ainda colonizadora”, revelou o padre.

‘SOS Yanomami’


Pintura já denunciava o garimpo ilegal na década de 1980 (Foto: Reprodução)

Viúva do artista, a expositora Edicilda Cardoso revelou à Folha que, ao saber do interesse da Diocese de Roraima em presentear o papa com uma pintura, imediatamente pensou em escolher a obra “SOS Yanomami”, devido à atualidade de sua mensagem. “Ela tem 33 anos e é mais atual do que tudo o que você puder pensar”, disse sobre a doação da Di Cardoso Galeria de Arte.

O problema continua atual. Segundo relatório da Hutukara Associação Yanomami, de 2016 a 2020, o garimpo ilegal no território cresceu 3.350% e passou a afetar ao menos 273 comunidades, totalizando mais de 16 mil pessoas, mais da metade da população yanomami. Só em 2021, o garimpo avançou 46% em comparação com o ano anterior.

“Há 33 anos, ele já chamava a atenção pra os perigos que rondavam a Amazônia. Ele era um artista muito visionário, já imaginava o que poderia acontecer se naquele tempo não tomasse as devidas providências. E como não foi tomado, a coisa só piorou”, declarou.

Esta é a segunda obra de Cardoso a ser exposta no Vaticano – a primeira foi a pintura “São Francisco do Lavrado”. “Um roraimense que viveu apenas 63 anos, tem duas obras no museu de presentes do Vaticano, uma honra pra todos nós, não só pra mim. O Cardoso é um patrimônio cultural do Estado, é um motivo de orgulho pra todos nós”, disse a viúva do artista.

Em vida, Cardoso, que era autodidata, projetou e executou mais de duas mil obras adquiridas por museus e embaixadas em ao menos 17 países. Eclético, o roraimense dominou inúmeras técnicas e estilos, ao pintar principalmente a Amazônia, exibindo por meio de suas cores e formas a região para o mundo.

Augusto Cardoso morreu em julho de 2020, aos 63 anos, assim como uma das mais de duas mil vítimas da pandemia da Covid-19 em Roraima. “Ao mesmo tempo que fico envaidecida e feliz [pelo envio da obra ‘SOS Yanomami’], meu coração fica muito apertado, porque eu gostaria que ele estivesse aqui pra ver onde está o trabalho dele”, finalizou Edicilda.