Você sabia que a comunidade libanesa no Brasil é maior do que a própria população do Líbano? São mais de 10 milhões de libaneses e descendentes em território brasileiro, contra os 6 milhões que vivem no país do oeste asiático..
O advogado Kemal Muneymne faz parte desse número. Ele conta que a vinda da família dele ao Brasil começou quando o Império Otomano invadiu o Líbano. Seu avô, Ahmad Mneimneh era político e foi perseguido pelos turcos, por isso precisou se refugiar em outros países.
Durante suas viagens, ele passou pela França. Lá, enquanto tomava café em uma biblioteca, encontrou um livro de fotografias da Amazônia, entre elas, a da construção do Teatro Amazonas. Ahmad pensou que a obra era uma mesquita colorida que sempre via nos sonhos. Foi então que o avô de Kemal decidiu que viria ao Brasil.
“Durante a viagem, ele foi roubado na antiga alfândega e levaram tudo o que tinha. Quando chegou ao Brasil, foi primeiro em São Paulo e de lá ele veio para o Amazonas. Chegando aqui, se juntou com outros imigrantes árabes e fez a vida dele. Andava de porta em porta vendendo pequenas coisas, brilhantina, carretéis e linhas”, relatou Kemal.
Com o dinheiro que ganhou no Brasil, Ahmad abriu uma loja e formou os três filhos. Um se tornou juiz, outro empresário do ramo de cosméticos e o pai de Kemal, que virou comerciante.
Kemal nasceu no Brasil, mas passou toda a adolescência no Líbano e obteve dupla cidadania. Por isso, é considerado libanês, como o pai e o avô.
“Eu tentei voltar ao Líbano duas vezes para morar. Mas na época da Guerra Civil no Líbano, foi muito difícil permanecer lá. Então voltei para o Brasil, mas anualmente eu vou ao Líbano. Meu pai costumava dizer que o libanês e o filho de libanês nunca esquecem a terra”, conta.
Atualmente, Kemal pertence à Associação dos Juristas Islâmicos do Brasil e tem um escritório em Manaus. A vida dele é dividida entre idas e vindas entre o Brasil e o Líbano, seguindo as tradições e a religiosidade ensinadas pelo avô.
“Gosto muito do Brasil, adoro o Amazonas. É minha segunda pátria, como meu pai costumava dizer, não temos uma segunda pátria, na verdade, nós somos duas pátrias. E apesar disso eu herdei a religiosidade do meu avô, sou muçulmano e resguardo toda a herança familiar e faço questão de repassar isso para minha filha e para os meus sobrinhos”, finaliza.
Sobrevivendo à crise
A crise também pode ser a causa para as pessoas deixarem seu país de origem. Este é o caso de Carmen Alejandra, que nasceu em Caracas, capital da Venezuela. Ela conta que viveu uma vida boa e feliz até o país mergulhar na crise política e econômica. que levou milhares de venezuelanos a buscarem melhores condições de vida em outros países.
“Em 2017 meu pai veio ao Brasil, porque a situação começou a piorar muito e a gente já não tinha mais dinheiro para comer, para comprar sabonete e as coisas básicas. A intenção era somente mandar dinheiro para a Venezuela, mas chegou em um ponto que o dinheiro não dava mais, a gente passou fome”, contou Carmen.
Quando a família de Carmen veio para o Brasil, em 2018, ela teve que enfrentar barreiras como: a falta de um teto, o desemprego e um novo idioma.
“Eu fui morar em um refúgio e foi o momento mais difícil da minha vida, porque estava longe do meu país, eu não entendia o que as pessoas falavam e ao redor de mim, havia gente que eu nem conhecia”, relatou.
Além disso, Carmen também sofreu com o bullying e a xenofobia vindo dos seus colegas na escola. “Eu era chamada por apelidos ruins e era maltratada na escola. Quando eu tentava fazer amizade, ninguém queria. As pessoas sempre riam do jeito que eu falava e uma vez jogaram suco em mim. Nessa época estava passando por depressão e só piorava o meu caso”, relembrou.
Enquanto Carmen estudava, seu pai trabalhava como ajudante de pedreiro e a sua mãe como doméstica, e com o que recebiam, conseguiram sair do abrigo e alugar um apartamento. Ela contou também que a família recebeu ajuda de várias pessoas, inclusive de uma professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que recomendou o pai a vários empregos e a partir daí, a família conseguiu estabilidade no país.
Carmen informou que passou no vestibular exclusivo para venezuelanos realizado pela UFRR, e que foi cancelado posteriormente, o que segundo ela, criou uma frustração, porque era algo que ela queria muito. Logo após, a pandemia se instalou no país e Carmen ficou sem saber como prosseguir com a vida, e foi então que resolveu cursar estética e cosmética.
“Me inscrevi na faculdade, comecei a me relacionar com as pessoas, superei a depressão e uns meses depois eu consegui o emprego que eu estou hoje, que é de terapeuta capilar. Eu acho que a minha história é uma história de luta. Eu consegui superar tudo aquilo e hoje eu estou fazendo o que eu sempre quis fazer, que é trabalhar com redes sociais. Eu amo o meu curso de estética e estou feliz com a minha vida hoje em dia”, finaliza.
Fernandes Corriolan, de Leogane no Haiti, vivenciou o terremoto que devastou o país em 2010. Ele conta que sua vida era estudar, enquanto os pais trabalhavam, mas que após o desastre natural, ganhou uma bolsa de estudo para cursar o ensino médio na Venezuela, onde ficou por cinco anos. No entanto, com a crise do país, Fernandes precisou vir ao Brasil, pois seus pais já estavam estabelecidos aqui.
“Quando eu cheguei não foi difícil me adaptar, mas foi complicado, porque eu saí de um país onde falavam francês, depois fui para um país onde falava em espanhol e logo depois para o Brasil onde o idioma é o português. Porém, eu não passei pelas dificuldades que muitos migrantes passam quando chegam aqui, porque meus pais já estavam morando aqui, já tinha uma preparação”, contou.
Ele relata que ao chegar no Brasil, tinha três cursos em mente: engenharia civil, mecânica e aeronáutica, mas quando tentou entrar na UFRR, recebeu a notícia que só poderia ingressar na universidade, por meio de intercâmbio e como não tinha como voltar para seu país para realizar os procedimentos acadêmicos necessários, Corriolan passou a buscar outras formas de aprendizagem.
“Eu tinha que dar um jeito de me virar. Quando eu estava pesquisando coisas na internet, apareceu link de cursos de linguagem de português para imigrantes, e já que era algo que eu precisava para me comunicar bem em português, me matriculei. E depois disso, eu fiz um curso de eletricista e não demorou muito tempo para eu começar a trabalhar”, relembra.
Após conseguir um emprego e se estabelecer no país, ele passou a pesquisar faculdades particulares para poder estudar. Hoje, com a vida estável, não pensa em retornar ao Haiti e quer construir o seu futuro no Brasil.
“Eu já estou no segundo semestre de engenharia elétrica e as coisas estão fluindo do jeito que eu esperava. Até agora não passou na minha cabeça sair daqui, pelo menos não até terminar minha faculdade, depois eu decido, mas acho que vou ficar por aqui mesmo, não tenho com o que preocupar para sair da cidade”
Amor sem fronteiras
Provavelmente você já escutou aquele ditado que diz: “O amor move montanhas”, certo? Mas que o amor é capaz de mover países, é novidade. Levent Arıkoğlu (turco) e Jan Aguiar Pöhlmann (alemão) deixaram o país natal para viver uma vida romântica ao lado de duas brasileiras, em Boa Vista.
Levent Arıkoğlu é de Denizli, cidade e distrito do sudoeste da Turquia, viveu grande parte da sua vida como caminhoneiro viajando por toda a Europa, o que permitiu que pudesse ter contato com diversas culturas e línguas, principalmente em Portugal. Com a ajuda das redes sociais, Levent conheceu o seu amor, a brasileira Flávia Fernandes.
“Nós conversamos pelo Facebook, como ele morou em Portugal e outros países com línguas descendentes do latim, então eu conseguia entender o que ele falava”, conta Flávia.
Em 12 de junho de 2018, Flávia foi para Istambul encontrar com Levent após uns meses conversando pela rede social. A família do turco aguardava a chegada da moça e após duas semanas depois de se conhecerem pessoalmente, decidiram se casar.
“Mesmo não entendendo muito bem o português e ela não entendendo o turco, a língua que nós falamos para nos entender é o amor”, diz Levent.
No Brasil, os dois são casados somente no religioso devido a problemas de documentação quando tentaram registrar o casamento no civil. Flávia é servidora pública e por isso, não podia morar na Turquia, e como Levent era autônomo, ficou mais fácil para que ele viesse ao Brasil para construir a vida a dois no país.
Levent abriu um pequeno negócio onde, com os ensinamentos de seu falecido pai, que era cozinheiro, prepara comidas turcas para vender em sua lanchonete que fica localizada no centro de Boa Vista.
Jan Aguiar Pöhlmann, nasceu em Köln, na Alemanha e já visitou o Brasil diversas vezes, tanto para passear, quanto para estudar. E foi em uma das suas vindas com objetivo acadêmico, que ele conheceu a professora brasileira Lisiane Aguiar.
“Entre 2015 e 2019, eu vim para o Brasil fazer minha tese de doutorado, e morei sete meses em Bonfim (RR), foi quando conheci Lisi, em 2018. Um professor, que virou meu amigo, nos apresentou”.
Após se conhecerem, o casal passou a manter contato e estreitar as relações. Quando Pöhlmann retornou à Alemanha, ele e Lisiane passaram dois anos viajando para se encontrar, mas em 2020 devido a pandemia da Covid-19, os encontros foram dificultados. Foi então que Jan decidiu vir de vez ao Brasil em julho de 2020 e em outubro do mesmo ano, realizaram o casamento.
Esperando o primeiro filho, Jan conta que criou novos hábitos e adaptou a vida no estado e mesmo que a família e os amigos tenham ficado na Alemanha, vive uma vida feliz com a pessoa que ama.
“Minha vida mudou muito, agora sou vegano, faço yoga e dou aula online de alemão para brasileiros, trabalho muito em casa. Minha vida é tranquila, me sinto um pouco mais sozinho por conta dos meus amigos que moram lá, mas minha vida amorosa se intensificou. Eu basicamente troquei minha vida social na Alemanha por uma vida com a Lisi no Brasil, e essa foi a maior e melhor diferença”, disse.
O casal adquiriu uma kombi, onde fazem viagens, um sonho que Jan sempre teve e que finalmente pode ser realizado.