Logo após a vitória do esquerdista Gustavo Petro na Colômbia, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, se apressou em celebrar as “mudanças radicais” nas relações entre os dois países. Os primeiros sinais, contudo, indicam certa distância entre os vizinhos.
A razão para isso, dizem analistas, é a pressão provocada pelas crises migratória e econômica que atingem a América do Sul. Na prática, a Venezuela se transformou em uma dor de cabeça para governos de esquerda, que precisam se submeter constantemente ao crivo das urnas – ao contrário dos chavistas -, são mais sensíveis aos índices de popularidade e ao mal humor da população.
Os líderes da nova esquerda latino-americana também se mostram mais receosos porque o chavismo é bastante impopular. Por isso, segundo analistas ouvidos pelo Estadão, além de Petro, o chileno Gabriel Boric e o peruano Pedro Castillo ainda não sabem como lidar com o autoritarismo venezuelano.
REFUGIADOS. “A Venezuela se tornou um problema, não só pela natureza ditatorial de seu governo, mas porque é um governo que tem um processo aberto de investigações e apuração de responsabilidades em crimes de lesa-humanidade”, afirma Xavier Rodríguez-Franco, da Universidad de Salamanca.
“Esses novos líderes têm dois desafios, que não sabem como resolver: um é como lidar politicamente com o governo de Maduro, outro é como resolver a enorme crise migratória, que faz centenas de venezuelanos cruzarem a fronteira todos os dias.”
Há mais de 6 milhões de venezuelanos refugiados no mundo, segundo a ONU. A Colômbia é o principal destino, tendo recebido 1,8 milhão, o que torna a questão venezuelana um tema sensível, com mais de 50% dos colombianos sendo contra a regularização dos imigrantes, segundo pesquisa da 40dB para o jornal espanhol El País. Em seguida, os países que mais recebem são Peru, Equador, EUA e Chile.
À crise migratória se soma a inflação, que vem dilapidando a popularidade desses novos líderes. Os venezuelanos, que fugiam da hiperinflação acima dos 100%, agora encontram também índices exorbitantes em muitos países da região.
Falta, porém, consenso sobre como lidar com as crises. Boric, segundo analistas chilenos, quer distância de Maduro. “Ele detesta o governo venezuelano”, afirma Jaime Baeza, professor do Instituto de Relações Públicas da Universidade do Chile. “Durante a campanha, Boric se referiu à Venezuela e à Nicarágua como ditaduras. Isso até gerou tensão dentro de sua coalizão, porque o Partido Comunista não gostou.”
RISCO. Baeza ressalta que a chanceler de Boric, Antonia Urrejola, serviu na OEA como encarregada de lidar com as perseguições políticas do regime nicaraguense. “Ela admitiu que tanto Nicarágua quanto Venezuela a incomodam”, disse.
“Não estamos falando da mesma esquerda dos anos 2000. Agora, a nova esquerda faz um cálculo político sobre a Venezuela”, explica María Isabel Puerta Riera, professora de política internacional do Valencia College, na Flórida.
“Há uma solidariedade implícita. A Argentina, por exemplo, continua tratando o chavismo como legítimo. Não é o mesmo no caso de Boric e de Petro. Eles sabem que há um alto custo político de tratar o chavismo como igual.”
Por isso, durante a campanha, Petro tentou descolar sua imagem de Maduro, para se mostrar menos radical e se afastar de seu passado guerrilheiro. Mas, antes mesmo de tomar posse, ele conversou com o venezuelano sobre reabrir a fronteira, fechada desde 2019.
Sua vitória na Colômbia é, por um lado, também uma vitória política de Maduro, que finalmente terá relações mais amigáveis com Bogotá. Mas também acaba com retórica preferida do chavismo, de culpar a Colômbia pelos problemas da Venezuela.
Mas nem todos os representantes da nova esquerda latino-americana pensam igual. Diferentemente de Petro e Boric, Alberto Fernández, presidente da Argentina, foi um dos primeiros a criticar o isolamento da Venezuela. Em março, ele retirou a Argentina do Grupo de Lima, que reconhecia Juan Guaidó como presidente venezuelano legítimo.
O mexicano Andrés Manuel López Obrador também se aproximou de Maduro. Dono de um estilo populista que combina com o chavismo, ele promoveu um boicote à Cúpula das Américas, em Los Angeles, em junho, reclamando que os EUA não haviam convidado Venezuela, Nicarágua e Cuba para o evento.
COOPERAÇÃO. O mesmo vale para o boliviano Luis Arce. Embora ele não tenha a mesma relação carnal com o chavismo que tinha seu padrinho político, Evo Morales, Arce restabeleceu as relações diplomáticas com Caracas. Em maio, ele se juntou a Maduro na cúpula da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), em Havana.
Pedro Castillo, presidente do Peru, também restabeleceu laços com a Venezuela, mas sua relação com Maduro é conturbada. Em fevereiro, ele disse que não gostaria de seguir o modelo chavista. Em resposta, Maduro se referiu a Castillo como representante de “uma esquerda fracassada e covarde”.
NOVOS CAMINHOS
Gabriel Boric
Presidente do Chile evita ligação com Maduro. Após sua vitória nas urnas, criticou a situação dos direitos humanos na Venezuela, comparando o chavista com o ex-presidente chileno Sebastián Piñera.
Pedro Castillo
Presidente peruano disse que não gostaria de seguir o modelo chavista. Em resposta, Maduro se referiu a Castillo como representante de “uma esquerda fracassada e covarde”.
Gustavo Petro
Presidente colombiano considerou “prudente” a ausência de Maduro em sua posse. No entanto, ele mantém uma relação mais cooperativa com a Venezuela – até mesmo por pragmatismo, já que os dois países dividem uma fronteira porosa.
Luis Arce
Apesar de não ter a mesma relação com o chavismo que tinha Evo Morales, o presidente boliviano ainda é um aliado de Maduro. Após ser eleito, em 2020, uma de suas primeiras ações foi restabelecer relações diplomáticas com a Venezuela.
López Obrador
Estilo populista do presidente mexicano combina com Maduro. Recentemente, Obrador bateu pé e não foi à Cúpula das Américas, em Los Angeles, porque os EUA não havia convidado a Venezuela. Maduro elogiou o mexicano, que agradeceu.
Alberto Fernández
Presidente argentino sempre fez oposição à tentativa de isolar a Venezuela. Em março, retirou-se do Grupo de Lima, que reconhece Juan Guaidó como presidente venezuelano, e se distanciou da linha dura contra Maduro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.