Saúde e Bem-estar

No dia da conscientização da Síndrome de Glass, conheça a história da Duda

Com apenas três anos, Maria Eduarda Gomes é a única criança diagnosticada com a síndrome em Roraima

A Síndrome associada ao SATB2, também conhecida como síndrome de Glass, está relacionada a uma alteração no gene SATB2, que apresenta anomalias na fala, na linguagem, nos dentes e problemas comportamentais. Geralmente, os primeiros sinais surgem antes dos dois anos de idade. 

A Folha entrevistou Loide Gomes, mãe de Maria Eduarda Gomes, de três anos, ou Duda, como é carinhosamente chamada pela família e pelos profissionais que a acompanham. A Duda é atualmente a única criança diagnosticada com a síndrome em Roraima. 

O diagnóstico 

O caminho desde os primeiros sinais até o diagnóstico final foi longo. Loide precisou visitar diversos profissionais até chegar a uma conclusão. “Quando a Duda tinha seis meses, durante a introdução alimentar, ela deixou de ganhar peso. E aquilo acendeu o sinal de alerta. Como ela já tinha o diagnóstico de alergia a leite de vaca e ovo, com oito meses procurei uma gastropediatra aqui em Boa Vista e ela alterou o protocolo em relação à alimentação, mas já nos encaminhou para a neuropediatra e para a fisioterapia, pois Duda apresentava atraso motor. Ela não engatinhou”, afirmou Loide, sobre os primeiros sinais.

“A primeira neuropediatra que ela consultou disse que não havia nada de errado, mas eu resolvi ouvir outra opinião, e a segunda médica nessa especialidade confirmou o atraso. Fizemos vários exames com resultados dentro da normalidade, mas Duda continuou na fisioterapia. Com o passar dos meses o atraso foi se agravando, ela não andava, não falava… A neuropediatra disse que via sinais de autismo, mas que havia algo além disso, que precisava ser investigado no campo da genética”, compartilhou. 

A família então levou Duda até o Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, que é o maior hospital pediátrico do país e uma referência em neurologia. Após exames, a suspeita da equipe do hospital foi descartada. 

“Também levamos ela em especialistas em São Paulo e levamos em uma médica geneticista em Manaus, pois aqui não temos nenhum profissional com essa especialidade. Como estávamos no auge da pandemia, fizemos consultas virtuais primeiro e depois levamos ela pessoalmente. A médica suspeitou de algumas síndromes, mas o resultado dos testes genéticos também foram negativos, e ela solicitou investigação mais aprofundada e um exame de mapeamento genético chamado Exoma, detectou uma alteração no gene SATB2, relacionado à Síndrome de Glass” pontuou a mãe. 


Duda e a mãe, Loide Gomes (Foto: Lilith Áquila)

Dificuldades após o laudo médico 

Por ser uma síndrome rara, tendo apenas 16 pessoas diagnosticadas no Brasil inteiro, o maior desafio para a família da Duda foi entender ao certo o grau de comprometimento do organismo que ela tinha. 

“A nossa maior dificuldade é que não existe no país nenhum centro de pesquisa sobre essa síndrome, nem ao menos um único profissional especializado nessa doença. O atendimento em saúde pública e privada é precário. Não temos nenhum serviço de atendimento a doenças raras em Roraima, seja pelo Estado ou Município. Para você ter ideia, nós ainda não conseguimos nem mesmo fazer a notificação ao SUS de que aqui em Roraima tem uma criança diagnosticada com Síndrome de Glass porque o serviço de atenção básica não sabe como fazer esse procedimento, embora o Ministério da Saúde tenha um cadastro para pacientes com doenças raras no país”, disse.

 A busca por um profissional que conhecesse a síndrome encerrou apenas em janeiro deste ano, com uma médica de João Pessoa. “Fomos até a médica, que também é professora universitária, já tinha atendido um caso dessa síndrome e pra gente foi um grande alívio porque foi a primeira vez, em três anos, que alguém nos deu respostas.  Ela avaliou Duda minuciosamente, nos pediu tempo para pesquisar sobre os protocolos de acompanhamento através das sociedades médicas internacionais, e quando retornamos, ela já estava com os encaminhamentos prontos para outros médicos, explicando do que se tratava”, contou Loide. 

Os exames ainda restantes para o rastreamento da síndrome em Duda são mais intensos, e a família está procurando um hospital que tenha um bom suporte, para serem realizados todos no mesmo local. 

“Estamos trabalhando para levar ela para avaliação na Clínica Especializada em Síndrome de Glass, no Hospital Infantil de Arkansas, nos Estados Unidos, sob o comando do geneticista Yuri Zárate, um médico colombiano que tem a mais completa sobre essa síndrome no mundo. Já inscrevi Duda na pesquisa dele e estamos aguardando para sermos chamados para a avaliação” afirmou.

 O tratamento em Boa Vista

Enquanto isso, Duda tem uma equipe que cuida de todo seu tratamento e desenvolvimento, com profissionais que fazem toda a estimulação precoce necessária para que ela possa se desenvolver bem e com autonomia. Faz psicoterapia, fisioterapia e fonoaudiologia todos os dias, além de terapia ocupacional três vezes na semana, com atendimento em casa e nas clínicas.  

A assistente terapêutica Wanda Peres faz parte dessa equipe de profissionais e compartilhou a experiência de acompanhar de perto o desenvolvimento da Duda. “É um trabalho muito encantador. A gente aprende a ouvir e sentir com o coração. Todos os dias a gente aprende muito com ela a enxergar que a vida é detalhes com os pequenos avanços dela ao longo do tratamento”, compartilhou.

Duda já evoluiu bastante, mas ainda não corre e não fala. A ausência da fala é uma das principais características dessa síndrome. “De acordo com as pesquisas atuais, 100% dos indivíduos têm a fala severamente afetada, sendo a maioria não verbal, o que requer a introdução da comunicação alternativa o quanto antes, como é o caso da Duda, que já está sendo ensinada a se comunicar sem o uso da fala”, disse Loide.  

Luta das mães para tornar a síndrome conhecida

Nesta segunda-feira, dia 22, é uma data dedicada à conscientização sobre essa condição rara e as mães dessas crianças se juntaram para falar sobre uma doença que é tão desconhecida inclusive pela comunidade médica. 

“Eu acredito que a informação salva vidas. Então o que eu quero dizer hoje para os pais, particularmente para as mães, é que se perceberem atrasos no desenvolvimento da criança, que busquem o diagnóstico para que a criança tenha o acompanhamento adequado. Saber o nome da Síndrome da Duda não mudou nada no cuidado, no amor, no respeito que temos por ela, mas nos ajuda a fazer um acompanhamento direcionado e específico para o comprometimento que a doença causa”, finalizou Loide.  

Com o tratamento adequado feito de maneira precoce, as pessoas que possuem a síndrome de glass podem desde o começo aprender a se comunicar de maneiras alternativas, resultando em um desenvolvimento adaptado sem que a criança seja prejudicada futuramente, melhorando a qualidade de vida.