“Eu sou todos os bichos! Sou o sopro que desliza dentro da flauta, e faz a música. Eu sou o tajá que se esconde em poder, eu sou Kanaimö”. As lendas e mitos do folclore roraimense são a maior inspiração para o ilustrador Will Cavalcante, o artista criou um texto e uma arte para o Canaimé, a ilustração foi criada em duas páginas e está disponível para publicação em revistas.
Canaimé um personagem mítico indígena que, segundo a crença das tribos macuxi e wapixana, é responsável por acontecimentos maléficos e pode se apossar do corpo de qualquer um, se transformando em monstro ou em algum animal.
O artista plástico paraense tem obras dedicadas a Roraima, estado em que mora há oito anos (Foto: Arquivo pessoal)
Will é paraense e mora há oito anos em Roraima, além de ilustrador é biólogo. ”Eu queria produzir uma peça que me fizesse homenagear esse estado que me acolheu, com as suas especificidades da região norte” explica. O Ilustrador tem diversas artes dedicadas a cultura, lendas e mitos indígenas.
Will disse que sempre se inspirou na região amazônica para criar. “Sou regionalista, sempre gostei do folclore e da cultura local. Sempre fui criado com muita música da região norte, isso me centralizou e me deixou muito apegado às questões da região norte. E isso foi intensificado com o estudo da biologia, sempre me encantou e me deu identidade” contou.
Dia do Folclore – Origem da data
22 de agosto é o dia do folclore, comemoração que recorda o dia em que a palavra folclore foi usada pela primeira vez no ano 1846. Quem o fez foi o pesquisador britânico William John Thoms (1803-1885).
No Brasil, o dia do folclore brasileiro foi definido oficialmente através do Decreto nº 56.747, de 17 de agosto de 1965, aprovado pelo Congresso Nacional. A partir de então, conforme definia a lei, o dia 22 de agosto passou a ser celebrado como o Dia do Folclore em todo o país.
Leia o texto na íntegra:
As estrelas pingaram formando um pano estelar, que cobriu o firmamento, e quando o primeiro bicho de rabo apareceu, eu apareci. Quando o primeiro tamanduá andou pelo lavrado, eu senti o chão, quando a primeira onça caçou, eu senti o gosto da carne, quando o primeiro bugio subiu na árvore, observei ao longe as serras. Quando Macunaima cortou a grande árvore, eu senti o estrondo de sua queda. Eu sou todos os bichos! Sou o sopro que desliza dentro da flauta, e faz a música. Eu sou o tajá que se esconde em poder, eu sou Kanaimö.
As plantas me ensinaram a sussurrar suas magias, sei curar, aliviar, enfeitiçar e matar. Nas folhas me escondi e fiz morada, no poder do tajá eu faço morada. Não tem caçador ou pescador que saiba o que eu sei, pois escondi tudo aos olhos. Quem conta meus segredos são as plantas, e elas contam ao Pajé. Não mentem, na nervura do tajá observam a verdade, que já fui pajé, que andou pela terra como homem, fui poderoso, fui perverso, fui ardiloso, fui assassino. Tudo, e não pajé. Depois da morte não fui aceito com os meus, fiquei vagando pelas serras e florestas, até dormir na folha do tajá, eu sou Kanaimî.
Sou muitos, somos muitos. Sou intruso, sou chamado. Venho nas formas do medo, sou aquilo que se esconde entre as árvores, sou a intriga, sou a fofoca, sou a inveja, sou o outro. Venho com a pussanga. Sou tudo aquilo que você tem medo e vergonha. Faço o que faço por que quero, pois posso, às vezes me pedem a justiça, e atendo. Quebro as pernas, o pescoço, e encho os orifícios de folhas e galhos. Em sua boca estará um feitiço com ervas, e não vai poder dizer que me viu. És morto mesmo quando chega em sua morada, lá não comerás, sofrerá em febre, e eu vou ir lhe ver, será se matei? Certeza. Em sua cova irei sugar toda a maba que existe em você, pois eu sou Kanaimã.
Morei em cada decisão tomada, as escolhas do cotidiano. Seus caminhos errantes e cheios de inveja. Eu sou aquele que empunhou a faca, o que golpeou com o terçado, o que apontou a arma e atirou, matando os meus. Eu sou o olhar de ódio e fúria, a raiva que se espalhou entre os parentes. Aquele que espreita na forma de rabudo, com dentes, garras, couro e a lança. Agora transito por todos os lugares, da folha do tajá ao asfalto quente, transito entre as estúpidas fronteiras do branco. Eu sou o assassino, o bandido, a violência cuspida em sua cara, e você não pode reagir, a força que lhe parte ao meio, eu sou Canaimé.
Texto e ilustração por Will Cavalcante
Arte é inspirada no mito indígena Canaimé (Foto: Divulgação)
Por Isah Carvalho