Polícia

HAY: crianças yanomami morrem por falta de assistência à saúde indígena

Ofício da Hutukara Associação Yanomami que detalha a situação foi encaminhado a seis instituições públicas

Em um intervalo de 20 dias, seis crianças indígenas morreram vítimas de doenças evitáveis que se agravaram devido ao fechamento de postos de saúde por causa do avanço do garimpo ilegal nas comunidades das regiões de Xitei e Surucucus, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. A denúncia é da HAY (Hutukara Associação Yanomami), que relatou a situação em ofício enviado às autoridades.

A HAY pediu a urgente e completa expulsão dos invasores do território, com apoio da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), e a reabertura de todas as unidades de saúde.


Postos de saúde impactados na Terra Indígena Yanomami (Foto: Reprodução/HAY)

O documento, assinado pelo vice-presidente da HAY, Dário Kopenawa, solicita que o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (Dsei-YY) informe detalhes de causa, polo-base e local de todos os óbitos de crianças entre 2021 e 2022, e também os planos para normalizar os atendimentos de saúde na região.

O ofício que detalha a situação foi encaminhado ao Dsei-YY, à Fundação Nacional do Índio (Funai), à Polícia Federal (PF), ao Exército Brasileiro (EB), ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY). A Folha pediu posicionamento das instituições e aguarda retorno.

À reportagem, o presidente do Condisi-YY, Junior Hekurari Yanomami declarou que há desatenção por parte do governo federal, o que tem prejudicado principalmente as crianças. Ele pediu a reestruturação da saúde indígena. “O número de profissionais não é suficiente para atender o Povo Yanomami, além de não terem as condições de trabalho necessárias. Existe também a presença dos garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, que colabora para o aumento do número de doenças e mortes, pois os mesmos impedirem  o funcionamento de postos de saúde, e enquanto isso, o Governo Federal assiste o choro do Povo Yanomami diante da realidade imposta e não toma medidas para a extrusão desses garimpeiros. Domingo, uma criança Yanomani perdeu a vida pra ineficiência do Estado, faleceu de diarreia e pneumonia”, relatou Hekurari.

O MPF confirmou ter recebido o documento, disse estar acompanhando o caso e lembrou que pediu na Justiça a reabertura dos postos de saúde e ter recebido carta de lideranças indígenas, a qual denunciava a precariedade da saúde indígena.

A HAY relatou no ofício que o garimpo avança desenfreadamente na Terra Indígena Yanomami, com base em informações do Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal (SMGI), o qual indica que, do início de 2022 até agosto, a área destruída aumentou mais de 1.100 hectares. Em comparação a dezembro de 2021, houve um aumento de 35% de devastação.


Imagem de satélite mostra impacto do garimpo na região do Xitei, em abril deste ano (Foto: Reprodução/HAY)

A região do Xitei é uma das que mais tem sofrido com um rápido aumento da atividade garimpeira ilegal, segundo a HAY, que diz ter alertado, em junho de 2021, os órgãos públicos sobre o risco de desestruturação das comunidades da localidade devido às pressões dos garimpeiros.

O que diz o ofício

O documento aponta que a Terra Yanomami novamente sofre com a desestruturação do atendimento à saúde. “Um quadro de desassistência à saúde generalizada na região vem levando à morte de indígenas por doenças que poderiam ser facilmente tratáveis, como síndromes respiratórias, diarreia, e verminoses”, diz trecho do ofício.

A Hutukara reúne no ofício os relatos de mortes ocorridas entre 23 de agosto e 11 de setembro nas duas regiões. A morte mais recente ocorreu em 10 de setembro. O filho de Jussara Yanomami não resistiu ao quadro grave de vômitos e diarreia após ser resgatado da comunidade Pixahanabi/Kuniamariu para o polo de Surucucus.

Em 1º de setembro, a filha de Noemia Yanomami morreu no Hospital da Criança Santo Antônio, em Boa Vista. O óbito ocorreu após a menina ser resgatada da comunidade Tirei em 30 de agosto.

Nesse mesmo dia, outra criança morreu em Surucucus: o menino era filho de Marisita Yanomami e foi resgatado na comunidade Pixahanapi Cachoeira, antigo Kunamariu.

Em 25 de agosto, a filha de Jedeane Yanomami foi removida de helicóptero e acompanhada por um médico da comunidade de Pixahanapi. No entanto, a menina não resistiu e morreu durante o transporte para Boa Vista.

Por sua vez, o filho de Paloma Yanomami morreu no dia 23 de agosto, um dia após ser resgatado na Comunidade Pixanahapi. Uma sexta criança morreu com quadro grave de desnutrição e desidratação antes mesmo de ser resgatada. A família dela não foi identificada.

Outros casos

Os casos se somam a uma onda de mortes de crianças yanomami por doenças evitáveis. No início de julho, outras três crianças morreram na região do Xitei, na comunidade Tirei. Duas delas estavam com pneumonia, sendo que um dos casos foi provocado pela infestação de vermes no corpo da criança.

Além disso, a Hutukara disse ter sido informada de um aumento constante de remoções das comunidades Homoxi, Hakoma e Arathau. As três tiveram os postos de saúde fechados devido à violência promovida pelo aumento expressivo de armas de fogo nas regiões.

A HAY atribui a circulação de armas de fogo à invasão garimpeira e relata que o fechamento dos postos de saúde nessas regiões sobrecarrega os atendimentos no posto de Surucucus.

Em Homoxi, a unidade de saúde está fechada há um ano. O local foi tomado pelo garimpo ilegal e agora funciona como apoio logístico da atividade. Os invasores usam a pista de pouso e o posto para abastecimento e distribuição de combustíveis, equipamentos e alimentação.

Após um conflito armado próximo a uma pista de pouso, o posto de Xitei também foi fechado. A violência relacionada ao fornecimento de armas e bebidas entre garimpeiros também levou ao fechamento do posto de Haxiu em março, relata a HAY.

A associação denuncia, ainda, que há um baixo número de médicos na Terra Yanomami e que, por causa disso, o número de mortes de crianças pode estar sub-notificado.

As fichas de saúde são preenchidas por agentes de saúde, mas precisam levar a assinatura de médicos, porém há relatos da falta desses profissionais em locais de atendimento em casos de óbitos.