A ex-deputada Joenia Wapichana tomou posse nesta sexta-feira (3), em Brasília, como presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), diante de centenas de indígenas de todo o País. A roraimense se tornou a primeira indígena a assumir o órgão indigenista.
Em seu primeiro ato, Joenia Wapichana assinou a criação de grupos de trabalhos para retificação e delimitação de sete terras indígenas e restrições de uso de outros dois territórios. No discurso, ela prometeu priorizar a resolução da crise yanomami, retomar os processos de demarcação de territórios indígenas e auxiliar no combate ao garimpo ilegal nas terras.
A presidente da Funai disse que vai reorganizar e fortalecer o órgão, e revelou do medo em assumir o órgão devido à responsabilidade de cuidar dos povos indígenas diante de um orçamento insuficiente. “Foi nessa perspectiva que aceitei o desafio, com um Governo que já se comprometeu em implementar os direitos paralisados”, disse. “Começa um momento diferente, histórico na Funai, a Funai que vai abrir as portas para os povos indígenas”.
A cerimônia contou com a presença das ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente), do secretário nacional de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, dos deputados Duda Ramos (MDB-RR), Túlio Gadêlha (Rede-PE) e Érika Kokay (PT-CE), e do ativista cacique caiapó Raoni Metyktire.
Por sua vez, Sonia Guajajara parabenizou Joenia e criticou o Governo Bolsonaro pelo descaso com os povos indígenas. “A partir de agora, nós nunca mais vamos aceitar um Brasil sem nós e vamos juntos rumo a essa nova história, respeitando mulheres, a juventude e trazer as crianças pra viver neste momento pra ver quem é que vai dar continuidade pra nossa luta”, declarou.
Para Marina Silva, Joenia está “liderando todos aqueles que tem compromisso com os indígenas na Funai e os próprios indígenas” e alfinetou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que, para ela, “fez um grande serviço em não passar a faixa a Lula, porque quem passou foi o povo brasileiro”.
O cacique Raoni defendeu o respeito do “homem branco” aos povos indígenas. “Também precisamos respeitar vocês, precisamos conviver em paz. Já ouvi que muitos indígenas morreram por causa de suas terras e isso não pode mais continuar acontecendo. Essa terra é indígena”, afirmou.
Além disso, houve rituais indígenas ao longo do evento, como uma defumação ministrada pela pajé Mariana Macuxi, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e uma dança parixara do Estado. Joenia também recebeu as bandeiras da Funai e do Brasil das mãos de crianças indígenas Kayapó e Xavante. Houve ainda a execução do hino brasileiro entoado em língua indígena.
Perfil
Joenia Batista de Carvalho nasceu em 20 de abril de 1973. Ela é da comunidade indígena Truaru da Cabeceira, região do Murupu, em Boa Vista, e pertence o povo Wapichana, o segundo maior povo de Roraima. É formada em Direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e mestre em Direitos Indígenas (Universidade do Arizona-EUA).
Ela foi a primeira advogada indígena no Brasil a atuar pelos direitos dos povos indígenas – em 2008, foi a primeira indígena a fazer uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF) com o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
A roraimense destacou por atuar em defesa das comunidades indígenas por meio da assessoria jurídica do Conselho Indígena de Roraima (CIR). De 2001 a 2006, participou das discussões sobre a Declaração dos Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) e, em 2007, da sua adoção pelos países.
Em 2004, ganhou o seu primeiro prêmio, o Reebok, concedido a ativistas do meio ambiente no mundo inteiro. Também ganhou o Título de Ordem de Mérito Cultural, em 2010, concedido pelo Ministério da Cultura. De 2011 a 2013, fez parte do Co-Chair do Caucus Indígenas nas Conferências das Partes sobre Clima (COPs), em Durban e Catar.
Foi a primeira presidente da Comissão Nacional de Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2013. De 2013 a 2015, foi conselheira do Fundo Voluntário da ONU para Povos Indígenas.
Em dezembro de 2018 ganhou o Prêmio de Direitos Humanos da ONU, um dos mais importantes do mundo. E, no mesmo ano, 2018, foi eleita a primeira deputada federal indígena do Brasil. Durante o mandato, recebeu a Medalha Myrthes Gomes de Campos pela OAB-DF e por três vezes (2019, 2020 e 2022), o prêmio Congresso em Foco na categoria Clima e Sustentabilidade.
Na Câmara, foi vice-líder de seu partido (Rede) e vice da Oposição, coordenou a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, e foi membro de comissões, como: de Constituição, Justiça e Cidadania; de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Minas e Energia; e de Educação.
Em 2022, recebeu o título de parlamentar mais bem avaliada no Congresso Nacional pelo júri especializado na categoria Melhores na Câmara, durante a 15ª edição do Prêmio Congresso em Foco. No ano passado, ela não se reelegeu.
*Por Lucas Luckezie