Cotidiano

Fazenda se torna local de tratamento para dependentes químicos em BV

Atualmente, 12 homens estão acolhidos e em tratamento, mas o objetivo é atender a 30 pessoas e já existe um planejamento para que a fazenda seja capaz de acolher até 100 indivíduos

As comunidades terapêuticas sempre tiveram um papel importante na sociedade, especialmente, no processo de acolhimento, atendimento, tratamento e ressocialização de dependentes químicos. Em Roraima, a Fazenda Amor que se colhe, que fica na vicinal Jaguatirica II, zona Rural de Boa Vista, é um desses exemplos. A equipe de reportagem da Folha foi conhecer o local na manhã desta quarta-feira, dia 8.

De acordo com servidor da Setrabes (Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social) e coordenador da política de prevenção e enfrentamento às drogas, Junior Campos, a coordenação é recente e o decreto de criação tem dois meses, mas ações desta natureza já eram executadas. “Porque todo o cuidado de uso abusivo de álcool e outras drogas está dentro do contexto do Ministério da Cidadania e a Secretaria que trabalha e atua junto com esse ministério é a Setrabes”, destacou.

Atualmente, 12 homens estão acolhidos e em tratamento, mas o objetivo é atender a 30 pessoas e já existe um planejamento para que a fazenda seja capaz de acolher até 100 indivíduos.

Há duas possibilidades para que os dependentes químicos cheguem à Fazenda. A primeira opção é procurar o departamento de política de enfrentamento às drogas, dentro da Setrabes, e outro caminho é o Capes AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas).

“No Capes AD fica institucionalizado de 14 a 15 dias para desintoxicar, passa pelo clínico geral, psiquiatra, psicólogo e uma equipe multidisciplinar e, após, a avaliação anamnese [diálogo estabelecido entre profissional de saúde e paciente, com o objetivo de ajudá-lo]. Muitas pessoas confundem o quadro clínico com o quadro psiquiátrico. A pessoa tem a dependência química, mas se tiver outra comorbidade, não conseguir viver entre pares, não pode ser encaminhada para uma comunidade terapêutica”, frisou Campos.


O responsável pelo projeto é o coordenador da política de prevenção e enfrentamento às drogas Junior Campos.

O programa tem como parceira a Federação Roraimense  de Comunidades Terapêuticas (FERRCT) que recebeu a emenda parlamentar de R$ 339 mil, destinada para tratamento de dependentes químicos. Os responsáveis pelas emendas foram os ex-deputados federais Hiran Gonçalves (R$ 200 mil) e Haroldo Cathedral (R$ 139 mil). “A Federação fez um acordo de cooperação técnica com a Setrabes que entra com uma parte dos recursos, muitas vezes com a alimentação e transporte, enquanto a Federação fica com o cuidado”, disse Campos.

O período de internação na Fazenda pode ser de nove (9) meses a um ano. Apesar de o projeto ter sido criado há dois meses, o trabalho com os dependentes químicos já acontece há um ano. “Tem acolhido que vai fazer um ano este mês e entendeu que, para ele, é melhor continuar ajudando, sendo um monitor e isso pode acontecer. Ele ficou limpo e agora quer servir dentro da comunidade terapêutica”, enfatizou o coordenador.

Os termos de cooperação técnica com a Secretaria de Agricultura e o Iater (Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural de Roraima) possibilitará que o espaço da fazenda receba estruturas de hortas, psicultura, criação de porcos, avicultura e plantio. “Nosso maior objetivo, também em parceria com o Senai [Serviço Nacional da Indústria]; Senac [Serviço Nacional do Comércio] e instituições do governo é de socializar o indivíduo que entrou aqui. Depois de receber os cuidados, vamos inseri-lo de volta ao mercado de trabalho. Queremos deixá-lo aqui até que se forme num curso técnico, mesmo que ele fique até dois anos aqui na Fazenda”, ressaltou Campos.

Todos os possíveis lucros, obtidos a partir do trabalho do indivíduo em acolhimento, serão depositados numa poupança para que, ao fim do tratamento, ele aplique os conhecimentos adquiridos com os recursos que juntou ao longo do tempo. “De tudo o que for plantado e colhido, se tiver lucro, será dividido entre os internos”, acrescentou o responsável pela Fazenda.


Dentre as atividades estão a criação de obras decorativas para casas e jardins e educação física.

A limpeza, organização e manutenção da fazenda são realizadas pelos próprios acolhidos. “Faz parte do autocuidado e sustentabilidade. Quando ele chega aqui, muitas vezes não arrumava uma cama em sua casa, não lavava louça, não sabia fazer comida e aqui ele aprende”, pontuou o coordenador.

Segundo Campos, outro projeto importante que é o de panificação. “Eu falo para eles: ‘imagina você que só dava prejuízo, porque o adicto, infelizmente, chega a roubar para usar drogas, hoje pode produzir um pão que vai para o comércio e pode usufruir de um produto que fez com as próprias mãos’, aí ele poderá dizer que é possível mudar de vida e produzir alguma coisa”, disse.

A rotina inicia com uma reunião em grupo, quando todos os internos fazem o resumo da noite e da madrugada, depois tem o devocional, quando a gente vai aplicar a espiritualidade, quando eles trazem uma mensagem da bíblia e todos os dias um fica responsável pela palavra. Em seguida, vem a atividade de limpeza em geral, chega a hora do almoço, depois vem o descanso, aí voltam para as atividades como marcenaria e com educador físico.

A equipe multidisciplinar que compõe a coordenação de política de enfrentamento às drogas, da Setrabes, visita a fazenda ao menos três vezes por semana para fazer atendimentos em grupo e individuais.

Familiares fazem as visitas aos sábados e domingos como iniciativa para (re)estabelecer os laços com os internos. Os que estão distantes, fazem videochamada com os parentes.

Há também um espaço para acolhimento, atendimento e tratamento para mulheres que estão na condição de dependentes químicas.   

Histórico da Fazenda – Na década de 90 foi apreendida uma quantidade expressiva de drogas no local. Como decisão, a justiça concedeu que o Estado, como fiel depositário, passasse a utilizar o espaço para a política antidroga. “Esse processo começou em 1998. Este atual governo entendeu que a fazenda deveria seguir a sentença de servir para cuidado e tratamento de pessoas que têm transtorno abusivo de álcool e outras drogas. A Fazenda foi doada pelo governo federal para o Estado de Roraima”, explicou o coordenador.