Desde o último fim de semana, garimpeiros começaram a deixar no domingo o território Yanomami, dias após o governo federal dar início a uma ampla operação na área, que passa por uma crise humanitária. Vídeos nas redes sociais mostram garimpeiros caminhada a pé pela floresta. O percurso pode durar 30 dias até cidades como Alto Alegre, Iracema e Mucajaí.
Na última segunda-feira. 6, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que, em uma semana, cerca de 80% das cerca de 15 mil pessoas envolvidas com o atividade ilegal devem deixar o local. Para o presidente da Cooperativa dos Garimpeiros de Roraima (Coogro), Josias Licata, os garimpeiros estão deixando a área de forma pacífica, mas precisam de garantias para que haja segurança para a classe.
“Nenhum garimpeiro está colocando dificuldade para sair da área Yanomami. Foram anos para os garimpeiros estarem naquela área e todos tem material para trazer. O que nós queremos do Governo Federal é um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] com os garimpeiros ou a cooperativa dos garimpeiros, mas até agora não tivemos um governante que tivesse essa responsabilidade de fazer esse TAC para que os garimpeiros possam trazer a realidade do que acontece no garimpo”, avalia o presidente da Coogro.
Para o professor e coordenador do mestrado de segurança pública direitos humanos e cidadania da Universidade Estadual de Roraima (Uerr), Edgard Zanette, a saída dos garimpeiros sem qualquer assistência do Estado pode desencadear graves problemas sociais e econômicos não só em Roraima, como em outros estados da Região Norte.
“Se 15 mil pessoas, que tinham uma renda no garimpo, se deslocam e chegam à cidade sem essa renda, as pessoas vão procurar várias possibilidades para se manter. Muitas conseguirão emprego e outras não conseguirão e estarão a mercê de qualquer possibilidade que apareça. Então não devemos ter dúvida que gerará impactos negativos nos índices de segurança e econômicos e eu acredito que o Estado brasileiro deva olhar para essas pessoas com um olhar amplo, não só para garimpeiros, mas também para as comunidades tradicionais”, entende o professor.
Por mais que o governo federal esteja otimista com a ação interministerial para a retirada do garimpo, há sequelas que não podem ser reparadas, não apenas para os garimpeiros, mas principalmente para os povos indígenas, como avalia Zanette.
“Temos que fazer as ações humanitárias imediatas. A situação das nossas comunidades tradicionais é gravíssima, com casos de estupro e morte. Pessoas morrendo de fome em um país tão rico de recursos”, afirma o professor.
Segundo estimativas da atual gestão federal, 570 crianças Yanomami morreram durante o governo Jair Bolsonaro por desnutrição, fome, contaminação de mercúrio e problemas de saúde facilmente evitáveis.
No último domingo, 5, o líder Júnior Hekurari Yanomami disse que garimpeiros assassinaram três jovens indígenas ao fugirem da região. O governo federal também apura denúncia de que ao menos 30 adolescentes indígenas foram abusadas e engravidadas por garimpeiros.
Para o professor, os impactos sociais e econômicos da mineração vão muito além do garimpo em terras indígenas e é preciso que o Estado brasileiro regule e acompanhe a mineração de forma efetiva e responsável.
“A busca por metais preciosos é um problema que nunca foi enfrentado pelo Estado brasileiro. É algo desregulamentado. A demanda por metais preciosos é enorme. No Dia dos Namorados, casamento ou noivado, por exemplo, as pessoas querem uma aliança de ouro, mas nunca checamos a procedência desse ouro. A culpa é do todo”, afirma Zanette.
Segundo o ministro Flávio Dino, garimpeiros que continuarem a ocupar ilegalmente o território estarão sujeitos a ações policiais como prisão em flagrante. Equipamentos para garimpagem e pistas de pouso clandestinas serão destruídas.
A situação atual de invasão de garimpeiros no território Yanomami é semelhante à de 1992, quando o governo de Fernando Collor de Mello conseguiu expulsar cerca de 40 mil pessoas que exerciam ilegalmente a atividade no local. Naquele ano, a Terra Indígena Yanomami havia sido demarcada.
As ações na época também incluíram o fechamento do espaço aéreo, estratégias para desabastecer os garimpeiros de comida e combustível e operações com uso de força quando necessário.
Tanto nas ações de 1992 quanto nas ações de 2023, os garimpeiros já estavam presentes no território indígena muito antes de intervenções federais, como avalia Licata. “Antes do governo federal, governo federal, Exército, já existia garimpeiro dando alimento para índio. Índio não é inimigo de garimpeiro. As inimigas dos garimpeiros são as ONGs. A maioria dos garimpeiros são índios e pessoas de Roraima. É preciso que os garimpeiros tenham direito a explorar e que o Governo Federal defina qual é a área legal.
O professor Zanette também avalia que a prática do garimpo é algo que faz parte da história e da cultura de Roraima e se tornou um problema muito complexo e difícil de ser resolvido.
“Na década de 80, para cada indígena da região, já haviam cinco garimpeiros instalados, é uma prática que já acontece há muito tempo. Tem pessoas que são especializadas, tem pessoas que são simples, trabalhadoras, tem empresários. É algo tão complexo que quem vive em Roraima conhece pessoas que sobrevivem desse recurso”.
Audiência pública
Está marcada para esta quinta-feira, 9, uma audiência pública para pedir auxílio a classe dos garimpeiros e discutir os rumos do movimento. Será às 16h, na Praça do Garimpeiro, Centro de Boa Vista.