Índices altos de contaminação por mercúrio foram encontrados em peixes no trecho do rio Branco, em Boa Vista. O nível identificado foi de 25,5%. As porcentagem são ainda maiores no Baixo Rio Branco (45%), rio Mucajaí (53%) e rio Uraricoera (57%). Os dados fazem parte de um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Socioambiental (ISA), do Instituto Evandro Chagas e da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
O estuda aponta que três de quatro pontos na Bacia do Rio Branco apresentam concentrações de mercúrio maiores ou iguais ao limite estabelecido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). A contaminação chega a ser tão alta para algumas espécies de peixes carnívoros, como o Filhote, que já não existe nível seguro para o seu consumo.
“As altas taxas de contaminação observadas, provavelmente, são decorrentes dos inúmeros garimpos ilegais de ouro instalados nas calhas dos rios Mucajaí e Uraricoera”, pontuam os pesquisadores.
No Uraricoera, ponto mais próximo à Terra Indígena Yanomami, principal ponto de garimpos, a cada 10 peixes coletados, seis apresentaram níveis de mercúrio acima dos limites estipulados pela OMS. O mercúrio pode atacar o sistema nervoso central e periférico se ingerido, inalado ou exposto ao ser humano.
No Rio Branco, na altura da capital, a cada 10 peixes coletados, ao menos dois não eram seguros para consumo. Desta forma, mesmo quem vive em Boa Vista, distante do território Yanomami, não está livre dos impactos do mercúrio utilizado no garimpo ilegal.
Segundo o estudo, 45% do mercúrio usado em garimpos ilegais para extração de ouro é despejado em rios e igarapés da Amazônia, sem qualquer tratamento ou cuidado. O mercúrio liberado de forma indiscriminada no meio ambiente pode permanecer por até cem anos na natureza, provocando diversas doenças em seres humanos e animais.
Nas crianças, os problemas podem começar ainda na gravidez. Se os níveis de contaminação forem muito elevados, pode haver abortamentos ou o diagnóstico de paralisia cerebral, deformidades e malformação congênita. Os menores também podem desenvolver limitações na fala e na mobilidade. Na maioria das vezes, as lesões são irreversíveis, provocando impactos na vida adulta.
A metodologia usada no estudo é baseada nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). As coletas dos espécimes para análise foram feitas entre 27 de fevereiro e 6 de março de 2021.
Apesar do dado alarmante, o consumo de peixes na região continua sendo possível para espécies como o matrinxã, aracu, jaraqui, pacu, jandiá e outras. Entretanto, a recomendação para crianças e mulheres em idade fértil é que estas espécies devem ser consumidas com moderação, para evitar riscos à saúde.
A pesquisa aponta que barba chata, coroataí, filhote, piracatinga e pirandirá são peixes carnívoros com risco muito alto, que devem ser consumidos no máximo em uma porção de 50 gramas, uma vez ao mês. A recomendação é que mulheres grávidas evitem o consumo dessas espécies durante toda a gravidez.
Dourada, mandubé, liro, pescada, piranha preta e tucunaré também são peixes carnívoros com alto risco, não devendo o consumo exceder 200 gramas por semana.
As espécies de peixes não-carnívoros como curimatã, jaraqui, matrinxã e pacú apresentam médio e baixo risco e demandam menos restrições para o consumo. Podem ser consumidos em porções de até 300 gramas por dia.
Garimpo ilegal
O médico e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Paulo Basta, estuda a população Yanomami há 25 anos e faz alertas sobre os efeitos nocivos do garimpo à saúde das populações indígenas.
Basta é um dos responsáveis pelo relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, que aponta que o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. No ano passado, já havia sido registrado um salto de 30% em relação ao período anterior. De 2016 a 2020, o garimpo na TIY cresceu 3.350%.
O documento demonstra que o garimpo na Terra Indígena Yanomami (TIY) é causa de violações sistemáticas de direitos humanos das comunidades que ali vivem. Além do desmatamento e da destruição dos corpos hídricos, a extração ilegal de ouro e da cassiterita trouxe uma explosão nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas, com sérias consequências para a saúde e para a economia das famílias, além do aumento drástico da violência contra os indígenas.
Ainda de acordo com o levantamento, o número de comunidades afetadas diretamente pelo garimpo ilegal soma 273, abrangendo mais de 16.000 pessoas, ou seja, 56% da população total. Existem mais de 350 comunidades indígenas na Terra Indígena, com uma população de aproximadamente 30 mil pessoas.
O pesquisador Paulo Basta destaca que a crise sanitária foi agravada drasticamente nos últimos quatro anos pela completa falta de assistência do governo anterior e pelo aumento descontrolado do garimpo na região.
Com informações do Ministério da Saúde e Fiocruz.