A comunidade da Serra do Tepequém vive um momento histórico a partir da noite de segunda-feira, 20, com a aula inaugural do Curso Técnico em Guia de Turismo, na modalidade subsequente ao ensino médio, que ocorreu na escola da Vila do Paiva. Para os moradores do principal ponto turístico do Estado de Roraima, no Município do Amajari, o curso será o divisor de águas na vida dos que têm nos atrativos turísticos da serra sua principal fonte de emprego e renda desde o fim do garimpo de diamante, no início da década de 2000.
A conquista do curso começou com um grande desafio, pois a comunidade vinha reivindicando a profissionalização dos guias para que possam dar um passo definitivo na organização do trabalho de acolhimento e condução dos turistas, trabalho este realizado atualmente por condutores locais, os quais enfrentam o desafio de buscar qualificação em uma localidade onde o poder público não costuma chegar com eficiência, especialmente quando se trata de investir em Turismo.
Foi necessário muito entendimento entre representantes da Associação de Desenvolvimento Sustentável dos Moradores do Tepequém (Adesmote), da Prefeitura do Amajari e do Campus Avançado Amajari do Instituto Federal de Roraima (CAM-IFRR), que por sua vez recorreram ao Campus Avançado do Município de Bonfim, o qual já vinha ofertando o Curso Técnico em Guia de Turismo. Foi assim que o Campus Bonfim assinou um acordo de cooperação com a Prefeitura de Amajari para ofertar o curso na Vila Tepequém, mas na modalidade de Ensino a Distância (EAD).
“Vocês sonharam, e agora vão poder concretizar esse sonho”, disse a professora Pierlangela Cunha, diretora-geral do Campus Amajari, ao discursar na aula inaugural. Foi a ela que as lideranças comunitárias recorreram inicialmente, cabendo a responsabilidade de fazer os contatos com o Campus Bonfim. A diretora do Campus Avançado Bonfim, Maria Eliana Lima dos Santos, classificou o momento como histórico e relembrou a discussão que começou no momento da pandemia, mas que avançou rápido diante dos trâmites burocrático. “Fico feliz pelo significado do curso para a vida de cada um de vocês”, afirmou ao dar as boas-vindas aos 50 novos alunos de Tepequém.
A reitoria do IFRR, Nilra Jane Filgueira, também disse que a instituição está fazendo história junto com a primeira turma de alunos do Curso Técnico em Guia de Turismo da Serra do Tepequém. Destacou que tem orgulho de fazer parte de uma rede que está todo em todo país contribuindo para o desenvolvimento sustentável. Para ela, a oferta do curso na modalidade EAD faz parte de uma das missões da rede IFRR, que é interiorizar e levar o ensino aos locais mais distantes, onde o aluno não pode chegar a um centro urbano para estudar, como é o caso de Tepequém.
FAZENDO HISTÓRIA – O início da primeira turma do Curso Técnico em Guia de Turismo de Tepequém será um novo divisor de águas depois que o garimpo fechou, quando os moradores tiveram que recorrer ao turismo como nova atividade geradora de emprego e renda. A primeira capacitação de condutor local chegou a partir do ano de 2002, em um esforço do antigo Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), que foi o embrião do IFRR, junto com o Sebrae e outros parceiros do Sistema S.
Desses primeiros condutores treinados, considerados os desbravadores da condução no Tepequém, junto com outros pioneiros remanescentes do garimpo, seis deles estão matriculados no curso que iniciou nesta segunda-feira: Norton Luiz de Oliveira Carneiro, 49, Sidnei Veras, 57, Maria Madalena Alves, 47, Manoel Odenilson, 49, Veroci Rodrigues, 57, e Samuel Clementino Gouveia, 33. Cada um deles tem uma história de desafios e superação.
Nessa turma, o que chama a atenção é que, apesar da idade, eles toparam o desafio de voltar ao banco da escola para buscar a legalização da profissão de guia, marcando definitivamente um novo tempo de organização da exploração da atividade turística na região. Alguns nasceram em Tepequém nos tempos do auge do garimpo, como Veroci que nasceu Vila Cabo Sobral, outrora a sede de Tepequém. Outros chegaram depois e se integraram à comunidade.
A história de Sidnei Veras é singular. Filho de um garimpeiro que chegou no ano de 1954 quando o garimpo tinha dono, uma família estrangeira vinda da Bélgica, o sonho de ficar rico com o diamante foi substituído pelo estudo. Hoje ele é professor mestrando em Física e dá aula na escola da Vila Tepequém para o Ensino Fundamental. Também é engajado na comunidade e faz parte da diretoria da Adesmote como 1º secretário.
Norton Luiz chegou a Tepequém no início da década de 2000, no exato período da transição do garimpo para o Turismo. Diferente de muitos que chegaram por outros motivos, ele se estabeleceu com visão focada no Turismo. Ao ficar desempregado como técnico de som no Governo do Estado, decidiu pesquisar a viabilidade da exploração do Turismo de aventura em Tepequém com a atividade de rapel.
Foi assim que, levando turistas para experimentar as técnicas verticais do rapel nas cocheiras e abismos, ele montou o primeiro camping (Ponto Aventura) em sua casa, às margens do Igarapé do Barata, um dos atrativos turísticos mais populares. “O curso vai representar um salto muito grande para o Turismo, pois teremos profissionais reconhecidos e capacitados”, comentou.
Até mesmo uma das pioneiras e referência na exploração de recepção de turistas em redes e barracas, a empreendedora Iolanda Pereira da Silva, 55, do Camping Picuá, que não se matriculou, mas está fazendo parte da história por meio de três filhos matriculados no curso: Yasmim Pereira Marinho,18, Thiago Pereira Frota,22, e Thayná Pereira Frota, 27. É a nova geração assumindo seu protagonismo depois que a mãe abriu as primeiras trilhas dos desafios.
Da turma dos empreendedores, o proprietário da Pousada Platô, Joaci Luz, 62, também não quis perder a oportunidade. Mesmo aposentado da Embrapa, com doutorado em Produção Vegetal, decidiu se matricular para acompanhar os novos tempos. Ele começou a andar por Tepequém em 1992 e chegou a ministrar curso de extensão de hortaliças pelo Senar de 1996 a 19999. Mas decidiu ficar e se estabelecer em 2012, quando montou um bar que passou a apostar na arte e cultura, com eventos alternativos, passando a fazer a cena cultural até hoje com foco totalmente voltado ao Turismo.
IMIGRAÇÃO – A Serra do Tepequém também vive o impacto da imigração venezuelana e tem recebido famílias da Venezuela, que acabaram sendo acolhidas e se integraram à comunidade, alguns atuando como condutores locais. Por falta de validação do diploma do Ensino Médio e de documentação, a maioria não conseguiu se matricular. Mas os venezuelanos estão representados em uma única estudante que conseguiu uma vaga, a jovem Luciana Maria Rivas Morales, 18.
Há três anos morando em Tepequém com a mãe e a irmão, Luciana conseguiu terminar o Ensino Médio na sede do Amajari, na Vila Brasil, o que a permitiu ter formação e documentação necessárias para se matricular. Atualmente, ela não trabalha com o Turismo, mas, com esta formação, disse que pretende não parar no curso de guia. “Quero seguir meus estudos na área de Turismo”, disse. A jovem se tornou um exemplo de inclusão diante dos novos desafios do Turismo e a imigração desordenada que o país vem enfrentando.
GARIMPO X TURISMO – Manoel Odenilson é outro exemplo da transformação que a Serra de Tepequém vem experimentando. Ex-garimpeiro que pertencia à turma que era contra o Turismo, achava que o garimpo de diamante poderia resistir e ser retomado. Atual presidente da Ademoste, agora, é novo aluno do curso. Ele lembrou que, há 20 anos, quando passava por dificuldades para sustentar a família com o fim do garimpo, só tomou consciência da importância do Turismo quando, um certo dia, um carro com turista parou em frente da casa dele perguntando se poderia conduzir aquela família à Cachoeira do Paiva.
Na volta do passeio, a pessoa perguntou qual o valor da condução, mas Odenilson respondeu que não custava nada, já que não tinha noção do que era uma condução turística. Então, o homem pagou R$20,00 por duas horas de condução, o mesmo valor que ele passava semanas para ganhar garimpando uma pequena pedra de diamante.
“Naquele tempo, um quilo de arroz custava R$0,50”, comparou ele para dar uma noção do que aquele valor representava para a sua família. Segundo ele, foi a partir dali que passou a despertar sua compreensão sobre o Turismo, desafio que segue agora como um dos 50 novos alunos do Curso Técnico de Guia de Turismo.
JESSÉ SOUZA – Colaborador da Folha