Dezesseis indígenas da comunidade indígena do Maturuca, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Município de Uiramutã, na região Nordeste do Estado, são os primeiros mediadores indígenas do País. A diplomação deles foi realizada ontem à tarde, 04, no Malocão da Homologação, em Maturuca, e contou com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Ricardo Lewandowski.
Lá, foi inaugurado o 1º Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) Indígena do Brasil. Para Lewandowski, a experiência pioneira poderá abrir precedentes. “Não tenho dúvidas de que essa é uma experiência de sucesso, que tem dois aspectos: preserva a cultura porque os conflitos serão resolvidos de acordo com os valores culturais dos próprios indígenas e é um elemento de pacificação. E é disso que precisamos no Brasil, de paz e harmonia social”, disse o ministro com um cocar na cabeça e o rosto pintado assim como algumas dezenas de indígenas que participavam da cerimônia.
Os indígenas da Raposa Serra do Sol já faziam – de fato – e continuarão fazendo – de direito – algo que deverá ser feito em todo o Brasil no futuro: a conciliação e a mediação de conflitos. “A Justiça brasileira está caminhando para prestigiar a conciliação e a mediação. Porque com 100 milhões de processos em tramitação com apenas 16.500 juízes fica impossível resolver esses litígios. É preciso que a própria sociedade possa resolver de forma autocompositiva os conflitos e que saia deles de forma pacificada”, explicou o presidente do CNJ, que era parceiro no curso.
A professora Ernestina Afonso de Sousa, a Eriná Macuxi, foi uma das formandas. “Nós já vínhamos fazendo essa conciliação nas nossas comunidades, ouvindo as partes e resolvendo a situação da melhor maneira possível. Mas o curso nos fortaleceu, porque quando resolvíamos nossos problemas, diziam que nós não tínhamos competência para resolver crimes. Agora temos”, comemorou.
Eriná destacou que agora os indígenas poderão resolver os próprios conflitos sem precisar ir “pra justiça do branco”. “Tá garantido na Constituição Federal que nós, povos indígenas, temos a nossa própria maneira de resolver nossos problemas de acordo com os nossos costumes”, afirmou.
Por não precisar ir “para justiça do branco”, os indígenas deixarão de gerar gastos para a Justiça estadual. Para o juiz de direito Aluizio Ferreira Vieira, a solução do litígio através de mecanismos como a conciliação e a mediação objetiva a redução da carga de processos no judiciário e oferece a melhor solução dentro do menor prazo possível ao cidadão. “Com isso, um conflito poderá ser resolvido aqui mesmo [na comunidade indígena] por R$ 1 mil, sem custos processuais e sem gerar custos para o Tribunal de Justiça”, comentou.
Antes de ser tomado pelo braço e dar duas voltas no ‘Malocão da Homologação’ com os indígenas, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a mediação na comunidade é um avanço muito importante. “A intervenção da justiça sempre é traumática. Costumo dizer que a justiça é representada por uma deusa vendada que tem uma espada e uma balança nas mãos. Quando a justiça intervém com a espada, evidentemente o conflito é resolvido. Mas as duas partes ou pelo menos uma delas sai insatisfeita. Por meio desses instrumentos importantes, que são a conciliação e a mediação, vamos contribuir para a paz”, frisou.
CONCILIAÇÃO – A primeira mediação feita pela mediadora Eriná Macuxi foi entre dois “compadres”. O conflito era que o gado de um teria invadido o terreno do outro. Primeiro, os dois apresentaram os argumentos. O que teve a terra invadida pelo gado chegou a pensar em matar os animais, mas preferiu levar a situação aos líderes da comunidade.
Ele apresentou uma proposta para solucionar o conflito: que o compadre pagasse R$ 1 mil. Este disse que não tinha como pagar o pedido naquele momento, mas ofereceu uma cabeça de boi gordo em troca. Com ajuda de Eriná Macuxi, os dois chegaram a um acordo e o conflito foi solucionado em menos de dez minutos, sem que nenhum animal fosse sacrificado.
Além de conflitos que envolvem invasão de terras, Eriná Macuxi e os outros 15 mediadores indígenas da região da Raposa Serra do Sol poderão mediar problemas familiares, separação, pequenas causas e até crimes. “Os assassinatos que acontecem nas nossas comunidades já eram resolvidos juntos com as lideranças. Agora temos o certificado de que podemos continuar fazendo isso”, afirmou. (V.V)