Um estudo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) identificou altos índices de parasitoses intestinais entre indígenas Yanomami. Alguns casos analisados tinham duas ou mais espécies de parasitos intestinais.
A investigação foi divulgada no dia 17, mas a coleta ocorreu no ano de 2015, em cinco comunidades yanomami do polo base Marari, no Amazonas, próximo à fronteira com a Venezuela. Participaram 295 indígenas. Todos os moradores receberam atendimento médico oferecido no período do estudo.
Conforme o IOC/Fiocruz, todos os participantes apresentaram parasitos intestinais, sendo 81% com microrganismos causadores de doenças como amebíase e verminoses. Cerca de 15% tinham, simultaneamente, parasitose intestinal e malária.
“O índice de parasitoses intestinais foi muito alto. Mais de 80% dos indivíduos tinham duas ou mais espécies de parasitos intestinais. Em 20% dos casos, encontramos de quatro a seis espécies diferentes de microrganismos. A falta de saneamento nas aldeias indígenas e o contato contínuo com o ambiente contaminado propiciam a infecção por uma grande diversidade de parasitos”, ressalta a coordenadora do estudo, Joseli Oliveira Ferreira, pesquisadora do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC.
Diversidade de parasitos
O parasito intestinal mais frequente foi a ameba Entamoeba coli, detectada em 100% dos exames. O microrganismo é considerado um parasito com pouco potencial patogênico, mas, em alguns casos, pode determinar quadros clínicos de desconforto abdominal. A grande maioria dos indivíduos apresentou simultaneamente infecção por um ou mais microrganismos patogênicos.
Causadora da amebíase, a ameba Entamoeba histolytica foi detectada em 71% das amostras. Vermes ancilostomídeos, que provocam o amarelão, e Ascaris lumbricoides, popularmente chamado de lombriga, foram observados em cerca de 20% das análises.
Em menor frequência, os pesquisadores encontraram o protozoário Giardia intestinalis, que provoca giardíase, e dos vermes Trichuris trichiura, causador da tricuríase, e Enterobius vermicularis, que provoca enterobíase (também conhecida como oxiuríase), entre outras espécies de parasitos.
“Esses microrganismos causam diarreia e prejudicam a absorção de nutrientes. Isso agrava a desnutrição, aumentando o risco de morte das crianças, além de levar a problemas a longo prazo”, ressalta Joseli.
Em locais com alto índice de parasitoses intestinais, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o tratamento periódico com medicamentos antiparasitários. Para os cientistas, a medida é importante, mas é preciso pensar também em outras ações para o controle sustentável das parasitoses nas aldeias yanomami.
“Mesmo que se faça regularmente o tratamento comunitário, o ambiente está contaminado e há um ciclo vicioso de infecção. É preciso pensar em formas alternativas de saneamento ambiental, que considerem as percepções indígenas sobre doenças, moradia, higiene pessoal e saúde ambiental”, afirma a pesquisadora, lembrando que, nas aldeias, não há saneamento e a água usada para beber e cozinhar vem dos rios, que também são usados para o banho.
“Os yanomami eram nômades e atualmente são semi-nômades. Quando eles migram de uma área para outra, isso permite a regeneração do território. Porém, está cada vez mais difícil para eles fazerem esses deslocamentos. Conforme eles permanecem mais tempo no mesmo local, a comida se torna mais escassa e outros problemas começam a ocorrer”, reflete Joseli.
Coinfecção malária e parasitoses
Um alto índice de malária também foi observado na pesquisa. Utilizando a metodologia de PCR, que permite detectar a presença do DNA dos parasitos no sangue, a infecção foi diagnosticada em cerca de 15% dos participantes do estudo.
Mais de 80% das infecções foram submicroscópicas, ou seja, não foram detectadas por meio do exame de microscopia de gota espessa, tradicionalmente usado no diagnóstico da malária. O mesmo padrão tinha sido observado no primeiro levantamento sobre a malária realizado na região de Marari em 2014 em colaboração com pesquisadores do Instituto René Rachou (IRR/Fiocruz Minas Gerais).
De acordo com Joseli, a diferença ocorre porque a metodologia de PCR consegue detectar pequenas quantidades de parasitos no sangue. “Em áreas endêmicas, os indivíduos adquirem imunidade por serem muito expostos à malária e acabam apresentando baixa parasitemia [presença de parasitos no sangue] sem sintomas. A maioria dos casos positivos no exame de gota espessa ocorreu em crianças, mulheres grávidas e adolescentes, que são mais vulneráveis à doença”, detalha a pesquisadora.
O exame de gota espessa é o método de escolha para o diagnóstico da malária e atualmente não há como realizar testes de PCR rotineiramente em áreas remota. Segundo Joseli, os resultados observados reforçam a importância de estudos com uso de protocolos moleculares para estimar a prevalência da malária nas áreas indígenas yanomami.
“Algumas pesquisas mostram que mesmo com baixa carga parasitária, o mosquito é capaz de se infectar. Ainda não sabemos qual a importância disso na natureza, mas portadores assintomáticos, que não são diagnosticados e tratados, podem continuar como fonte de infecção para os vetores, mantendo a transmissão da doença”, aponta Joseli.
O trabalho incluiu uma ampla investigação sobre os vetores da malária em três diferentes áreas da terra indígena, com resultados já publicados. Também analisou a ocorrência de hepatites virais na população yanomami. Os dados estão em fase final de análise e devem ser publicados em breve.
O trabalho foi publicado na revista científica Journal of Infection and Public Health. O estudo foi realizado em parceria com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), o Centro de Medicina Tropical de Rondônia (Cemetron) e o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y).
No IOC, participaram da pesquisa os laboratórios de Imunoparasitologia, de Pesquisa em Malária, de Hepatites Virais, e de Simulídeos e Oncocercose & Entomologia Médica e Forense. O estudo integra a tese de doutorado de Mariana Pinheiro Alves Vasconcelos, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC, sob orientação de Joseli.
A pesquisa contou com financiamento da Secretaria Especial de Saúde indígena (Sesai), DSEI-Y, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além do IOC.
Com informações da Fiocruz.