A servidora pública F.D.S. é mãe socioafetiva de M.S.S. desde que ele tem seis meses. A prática, quando mulheres criam “filhos de coração”, é considerada comum no Brasil. A necessidade da formalização da adoção neste caso surgiu por uma fatalidade do destino: o rapaz de 27 anos é reeducando da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, onde responde pelo crime de homicídio. Por esse motivo a FolhaBV irá usar apenas as iniciais dos entrevistados.
F.D.S. ficou quatro anos sem poder visitar o filho, já que a lei entende que apenas familiares biológicos têm esse direito garantido, e só conseguiu resolver a questão após receber a orientação para legalizar sua situação por meio da Defensoria Pública. Lá, após ser recebida por uma servidora, foi acolhida pela equipe técnica da Câmara de Conciliação, contou sua história e, a partir dali, deu novo rumo também à vida de M.S.S. “Me senti muito acolhida e amparada. Essa é a palavra certa: ‘amparada’ mesmo pela Defensoria. Foi rápido e não sabia que a Defensoria disponibilizava esse atendimento. Quando a certidão ficou pronta, eles me ligaram, eu sai correndo para pegar e fazer meu cadastro e em menos de uma semana eu visitei ele. Hoje tem o meu nome na certidão dele”, relatou.
A proposta desse setor é a mediação como ferramenta para a pacificação social mais célere para problemas considerados cotidianos para a sociedade, mas que causam desgastes, despesas e abarrotam o sistema judiciário com demandas que podem durar anos.
A defensora pública Elceni Diogo, que comanda esse trabalho, comenta que “as pessoas precisam compreender que elas próprias sabem a solução”. “Sempre começamos dizendo que os responsáveis pela solução são eles. Não temos a exata dimensão do que viveram, então a solução mais adequada à realidade de cada um conta com a ajuda deles próprios”.
No caso de F.D.S., logo ao chegar à instituição, foi atendida, contou sua história, e teve seu processo iniciado com a orientação do que poderia ser feito para solucionar a questão. Ainda assim, a Defensoria Pública promoveu um estudo de caso in loco com acompanhamento de uma equipe multiprofissional que inclui, além da figura do defensor-público, um psicólogo e um assistente social. “Ficamos quatro anos sem se ver, eu fiquei afastada dele e foi quando saiu essa bênção aqui que você está vendo”, (sic), disse a servidora pública ao apontar orgulhosa para a certidão de nascimento de M.S.S., agora com seu nome e dos seus pais. “Me emocionei muito quando vi o nome de meus pais na certidão dele, pois ele ama esses avôs”, comemorou.
O processo de reconhecimento, conforme a mãe, serviu também para melhorar a conduta do reeducando. “Mudou muito, inclusive a personalidade dele. Ele brigava muito e tinha problemas. Depois que visitei, a ficha limpou, e ele está com boa conduta e todo mundo conversa comigo, fala da mudança dele”, ressaltou ao afirmar que acredita que o amor seja capaz de transformar a vida das pessoas. “Ele não tem contato com a família biológica, e foi gerado em meu coração. Hoje é uma pessoa totalmente diferente. Ele disse que sempre me esperou em todas as visitas”, relata emocionada.
Para a defensora Elceni Diogo esses reflexos na vida das pessoas demonstram a importância da metodologia de trabalho promovida pela instituição pública, e cooperam para que toda a sociedade possa viver melhor. “Esse processo tem reflexo, não apenas na questão judicial, mas na convivência comunitária, da coletividade, na vida da família, e depois do próprio Estado”, pondera.
Sobre o futuro? Mãe e filho estão esperançosos, e acreditam que vai acontecer algo melhor. “Que ele venha a dar orgulho para mim, e meu pai e minha mãe que são idosos”, conclui F.D.S.
“No meu coração ela é a minha mãe mesmo”, afirma filho afetivo
Reeducando acredita que resultado da conciliação mudou o sentido da sua vida
Oficialmente filho de dona F.D.S. desde o ano passado, M.S.S., não será identificado pela Folha por questões de segurança. O rapaz não havia visto seu novo registro de nascimento desde então. Nessa segunda-feira, dia 15, durante entrevista à nossa equipe de reportagem, ele pôde ver pela primeira vez o nome da mãe afetiva ao lado do da mãe biológica no documento, assim como dos avós maternos.
Ele relata que a maior emoção sentida até então foi apenas na hora de assinar os papeis do processo de reconhecimento de maternidade afetiva. “… Na hora de assinar eu tremia. E a defensora: ‘Fica tranquilo’. Eu fiquei tranquilo ali na hora de assinar. Aí eu olhava o papel e me tremia”, relata.
A família agora é oficial, mas sempre foi a afetiva de M.S.S. A biológica é usuária de drogas e, por conta dessa condição, não conseguiu criar os seis filhos. Mas ele admite que nunca lhe faltou carinho por parte da família que o acolheu. “É uma felicidade enorme saber que eu tenho uma mãe que me ama…No meu coração eu vejo que ela é minha mãe mesmo, que que me teve na maternidade. É isso, não tem outra família. Às vezes, nem reconheço que eu tenho outra família”, pondera.
M.S.S. foi informado do processo pelo advogado, que levou a documentação para assinar na penitenciária. “Eu fiquei muito feliz, eu fiquei até sem palavras. Fiquei me tremendo para assinar. Saber que tem pessoas que, apesar de tudo que a gente fez, que ama nós. Ela sempre teve comigo e eu sei que ela não vai me abandonar, apesar de tudo…. Mas me arrependo. Eu estou aí para pagar a minha pena, vou pagar pelo que eu fiz e estou esperando a minha saída para recomeçar a minha vida novamente” (sic), destacou.
Desde que voltou a ver a família com quem sempre conviveu, M.S.S também melhorou o comportamento como interno do sistema presidiário. “…Tem muita fuga minha, eu fugia e ia embora e saía e aprontava. E é tipo assim, bateu uma revolta, raiva… A gente vai ficando mais velho, vai abrindo a mente, vai amadurecendo, vai pensando diferente, né? Saber que tem uma família, meus filhos estão me esperando”, refletiu, ao frisar que depois de livre vai inverter os papeis e será ele a cuidar da mãe: “…Eu quero estar perto dela, perto dos meus irmãos, ficar até o último suspiro dela perto”, finalizou.
Roraima exporta metodologia de trabalho que promove a pacificação social
A Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da Defensoria Pública completa 20 anos neste dia 5
A resolução mais rápida e menos traumática de problemas considerados cotidianos para a população brasileira, mas que geram grandes conflitos sociais, como a guarda de filhos, reconhecimento de paternidade, divórcios e, principalmente, os chamados alimentos – pensões para menores de idade -, têm motivado o Poder Judiciário brasileiro a buscar estratégias que atendam ao mesmo tempo a legislação e o cidadão comum. Em Roraima, a Defensoria Pública tem desenvolvido uma série de estratégias para minimizar essas problemáticas.
Em fevereiro, a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem completou 20 anos de criação e, apesar do nome extenso e técnico, tem funcionamento bem simples, e tem sido responsável por proporcionar um futuro mais digno e pacificado para milhares de famílias roraimenses. A prática, de tão exitosa, teve modelo copiado por outros estados.
A defensora pública Elceni Diogo, que está à frente do projeto desde a implantação, explica que a metodologia adotada em Roraima busca a resolução de conflitos por meio do diálogo e da cooperação. “Trabalhamos o conceito de mediação, que busca a emancipação do cidadão e sua efetiva participação na solução do conflito. Ajudamos os atendidos a compreenderem que apenas eles têm a saída da melhor forma para seus problemas e os ajudamos a chegar a essa conclusão”, analisou.
O atendimento da Defensoria para alcançar esse objetivo é rápido, geralmente em torno de uma hora. A pessoa que procura o espaço da Câmara de Mediação passa por uma triagem, quando seu atendimento é aberto no sistema e é recebido pelo mediador, um técnico considerado imparcial, e já sai de lá com sua petição protocolada junto ao sistema judiciário estadual. O setor funciona em um prédio na frente da Praça Ayrton Senna, no bairro São Francisco, em Boa Vista.
Os acordos são fechados apenas em consenso, ou seja, com o aceite das duas partes. “O foco é a conciliação de modo a abreviar a fase processual e também a espera dos envolvidos. Esse é um trabalho pioneiro no Brasil. Existiam iniciativas semelhantes, mas não encabeçadas por uma Defensoria Pública”, argumentou.
De modo geral, são atendidas apenas pessoas que ganham até três salários mínimos, em torno de R$3,9 mil, mas a defensora pública destaca que não é uma regra estabelecida, e que alguns fatores devem ser considerados pelo profissional que estiver prestando o atendimento, como problemas de saúde ou se a pessoa está endividada. “Vai muito de acordo com o defensor, é preciso analisar a situação de cada pessoa”, ponderou Elceni.
A equipe da defensora também encabeça alguns projetos de educação em Direito. Praticamente a metade dos atendimentos é em busca de pensão alimentícia, quando pais ou mães pagam uma pensão aos filhos para gastos com educação, saúde e comida, entre outros. Depois disso, os divórcios e a guarda de menores são os casos em maior número. Mas, conforme Elceni Diogo, também há muitos casos de reconhecimento de paternidade e de maternidade também.
MEDIAR ZAP
Ideia simples e resolutiva criada durante a pandemia ampliou atendimentos
No início da pandemia da Covid-19, quando todas as medidas de isolamento social passaram a valer em Roraima, a Defensoria Pública criou o Mediar Zap, uma ideia simples, barata e acessível, que pelo alto grau de resolutividade acabou sendo mantida, e se tornando, em grande parte, responsável pela ampliação dos serviços da instituição.
No primeiro ano das restrições sanitárias, em 2020, foram 1.930 atendimentos, conforme o Solar, sistema utilizado pelo órgão para condensar dados da prestação de serviço. No ano seguinte os números chegaram a 2.134. No ano passado, foram 4.043, mais que o dobro do início dos trabalhos.
“Essa ideia partiu do então juiz responsável pela Justiça Itinerante, hoje desembargador Erick Linhares, um grande parceiro da Defensoria Pública. Ele pensou: como fechar as portas e deixar essas pessoas do lado de fora? Quando demos a ideia recebemos muitas críticas, mas hoje todas as Defensoria do Brasil utilizam”, comentou a defensora-pública Elceni Diogo.
O Mediar Zap amplia o alcance do cidadão à Justiça por utilizar um dos aplicativos de mensagens mais populares, acessíveis e fáceis de utilizar do mundo. “A pandemia provocada pelo Coronavírus nos empurrou para a mediação online, sem que a sociedade tivesse previamente passado pela necessária inclusão digital. Nesse cenário, a utilização do Whatsapp mostrou-se viável, levando em conta o perfil dos usuários dos serviços da Defensoria Pública e sua familiaridade com o aplicativo”, argumentou a defensora.
Uma iniciativa simples, mas com resultados grandiosos, o Mediar Zap gerou emancipação, engrandecimento da cidadania e aproximação da instituição com a população. “Foi a forma que encontramos de superar as dificuldades e desigualdades em momento tão desafiador, em que as pessoas em situação de perigo social figuravam como principais vítimas da vulnerabilização causada pela pandemia. Essa experiência institucional permitiu caminhos capazes de dar maior amparo aos hipossuficientes, usuários dos serviços da Defensoria Pública, em nível de igualdade”, concluiu.
Confira o passo a passo para ter acesso ao Mediar Zap
A estratégia de atendimento implementada por meio do Mediar Zap foi a grande responsável pela continuidade da prestação dos serviços de mediação familiar no período da pandemia da Covid-19 e conseguiu ampliar o alcance dos serviços, já que não exige deslocamento das partes ou envio de cartas precatórias ou rogatórias. “Por meio do aplicativo de mensagens conseguimos atender usuários que residem em Roraima e pretendem resolver conflitos familiares com pessoas que residem em outros estados e até países, como já o fizemos”, disse a defensora Elceni Diogo.
O usuário tem acesso aos cinco números de contato do Mediar Zap por meio das redes sociais da Defensoria Pública e do site www.defensoria.rr.def.br, reportagens de veículos de comunicação e ainda, um dos métodos mais eficientes, a “propaganda de boca em boca”.
O Mediar Zap é composto por cinco grupos de atendimentos, cada um deles com um mediador ou mediadora, um pré-mediador ou pré-mediadora e ainda um profissional que faz a digitação das mensagens, somando 15 pessoas envolvidas no processo. Além disso, computadores, celulares com o aplicativo WhatsApp instalado, e o sistema Solar de atendimento (desenvolvido pela Defensoria de Tocantins).
São criados grupos no aplicativo e, conforme Elceni Diogo, a metodologia dessa prática de atendimento é ajustada sempre que preciso para garantir a melhoria na prestação de serviços do Judiciário e a promoção dos direitos humanos. “As dificuldades vão aparecendo e sendo solucionadas ou mediadas. Uma delas é o vídeo. Antes, criávamos grupos com familiares, as testemunhas, não podiam vir para audiência. Agora recepcionamos vídeo, e vale como testemunho”, exemplificou ao mencionar a iniciativa da Defensoria em produzir um pequeno vídeo com as partes do processo, o que possibilitou a dispensa do comparecimento presencial dos usuários.
Confira como é o passo a passo do atendimento:
Vídeo produzido pela DPE-RR: Assista o vídeo com explicação do atendimento
Passo 01 – Contato inicial:
Olá, estamos iniciando um diálogo sobre um pedido de atendimento feito na
Defensoria Pública de Roraima.
Passo 02 – Apresentação do procedimento:
Seu atendimento será realizado pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem, que é um órgão da Defensoria Pública de Roraima que oferece àqueles que estão vivenciando uma situação de conflito, a oportunidade e o espaço adequados para buscarem uma solução que atenda as necessidades de todos os envolvidos, por meio do diálogo e da cooperação.
Passo 03 – Apresentação das regras básicas:
a) O atendimento será feito por uma pessoa imparcial;
b) Todos serão tratados com igualdade;
c) Todo o atendimento será baseado no diálogo cooperativo;
d) Vocês só permanecem na mediação se quiserem e só farão acordo se entenderem
que seus interesses foram atendidos;
e) Tudo que for falado no atendimento será mantido em segredo e não poderá ser
usado como prova na justiça;
f) Vocês devem comportar-se de maneira ética, sincera, respeitosa e honesta.
Passo 04 – Convite para participação:
Esse é o nosso primeiro contato e tem por finalidade esclarecer como será o atendimento e tirar possíveis dúvidas. Se você concordar em dar continuidade, digite EU ACEITO PARTICIPAR e seguiremos com o atendimento.
Élissan Paula Rodrigues
Especial para a Folha de Boa Vista