EMPREENDEDORISMO

Família é fiel à receita de bolo da vovó e triplica negócio em 10 anos

Casal Wanderlon e Rita, que começaram a fazer bolos em casa, abriram empresa e depois compartilharam a gestão com os filhos. Empreendimento supera pandemia e se firma com a mesma fórmula que lhe originou

Valéria de Souza Silva é a funcionária mais antiga da Vitrine dos Bolos (Foto: Isabella Castro Fernandes/FolhaBV)
Valéria de Souza Silva é a funcionária mais antiga da Vitrine dos Bolos (Foto: Isabella Castro Fernandes/FolhaBV)

Por 25 anos, o paraibano Wanderlon de Melo Costa foi executivo do Itaú. Poucos anos antes de ser demitido da empresa em meio ao momento de fusões entre bancos no Brasil, ele foi passar férias com a família em Boa Vista, cidade onde a irmã Vanderlene de Melo Costa, a Val, mora desde 1992. Na capital de Roraima, avaliando que, naquele contexto, os bancários mais antigos poderiam ser dispensados, ele vislumbrou uma alternativa para empreender, embora ainda não soubesse no que investir.

Quando a demissão do banco se tornou uma realidade, o então inexperiente com os negócios decidiu abrir uma granja de codornas em sua cidade Campina Grande (PB), investiu muito dinheiro no empreendimento, mas colheu prejuízo. “A gente aprende com as quedas”, avalia.

No final das contas, Wanderlon, a esposa Rita de Cássia Moreira Costa e a filha Rafaela Gonzaga Moreira Costa venderam tudo o que tinham e se mudaram para Boa Vista, em setembro de 2012. Na cidade, a família foi acolhida por Val e depois comprou uma casa.

Inspirados pela cultura de seu Estado, onde há muitas casas de bolos caseiros, eles resolveram colocar literalmente a mão na massa para produzi-los conforme a famosa “receita da vovó” e comercializá-los para amigos da Val e vizinhos.

A clientela foi crescendo, se fidelizando e a casa ficou pequena. Por isso, em 6 de março de 2013, a família deixou a informalidade e abriu a Vitrine dos Bolos, em um ponto alugado no bairro 31 de Março. “A gente viu a necessidade de abrir uma casa de bolos caseiros, o que ainda não tinha aqui”, lembra Wanderlon, que antes disso investiu tempo para fazer os cursos online Aprendendo a Empreender e Empreendedorismo, do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), e acertar na fórmula do negócio.

Wanderlon de Melo Costa se qualificou antes de investir no negócio da vida da família (Foto: Isabella Castro Fernandes/FolhaBV)

Com apenas uma funcionária, o empreendimento oferecia bolos de 18 sabores. Dez anos depois, o negócio se multiplicou e já tem dez funcionários distribuídos em três lojas (além da matriz sediada no mesmo lugar, há a do bairro Pricumã, aberta em 2015, e a do Jardim Floresta, inaugurada em 2023).

São dois confeiteiros, quatro atendentes e dois funcionários de serviços gerais para movimentar a empresa, cuja gestão é compartilhada pelo casal Wanderlon e Rita, hoje com 57 e 58 anos, com os herdeiros. Enquanto gerem a matriz, o filho Rafael Gonzaga Moreira Costa, 38, que chegou depois a Boa Vista, comanda a filial do Pricumã. A filha Rafaela, 34, fica à frente da última loja aberta.

Wanderlon compartilha a gestão de seu negócio com os filhos, como Rafaela (Foto: Isabella Castro Fernandes/FolhaBV)
Em todas, o cardápio possui 58 sabores de bolo (do trigo ao de pizza), que são vendidos de forma inteira ou pela metade, com preços que variam de R$ 17 a R$ 55. Todas receitas são criadas e testadas por Wanderlon, cujo negócio chega a vender, por dia, em torno de 350 unidades.
Bolos não duram 24 horas na vitrine (Foto: Isabella Castro Fernandes/FolhaBV)

Boa relação

O empresário diz prezar pela boa relação para manter o negócio de pé. Com os funcionários, ele mantém contrato de carteira assinada, diz buscar compreender eventuais problemas e que nunca foi processado na Justiça do Trabalho. “Fui funcionário durante 25 anos, eu fui líder de equipe operacional. O que não queria pra mim, não quero pros meus funcionários”.

Microempresas como a da família Costa representam 93,7% de um universo de 21 milhões de empresas ativas no Brasil, segundo o Mapa de Empresas, do governo federal. São esses negócios que ajudam a empregar a maior parte dos brasileiros, como a supervisora de produção e confeiteira Valéria de Souza Silva, 48.

Ela começou a trabalhar com a família em 2015 na loja do 31 de Março, mas foi transferida para a então nova filial do Pricumã. Logo, virou funcionária de confiança e hoje é a mais antiga da empresa.

Valéria permaneceu na Vitrine dos Bolos mesmo após a empresa reduzir o quadro de funcionários pela metade em virtude da pandemia da Covid-19. Automaticamente, contou com a compreensão dos patrões quando precisou ficar 42 dias internada com a doença. “Quase saio dessa pra uma melhor”, lembra ela. “Eu tive que bater escanteio e fazer gol de cabeça. Tive que sair, fazer compra, fazer o bolo e atender”, rememora Rafael Gonzaga.

A crise sanitária seria o maior teste para a sobrevivência do negócio fonte da principal renda da família Costa, que foi obrigada a apostar nos serviços de delivery e drive-thru para atender os clientes e superar o má fase. Precisou, também, criar novas receitas para enfrentar a concorrência. “Graças a Deus a gente não fechou um dia. Caiu muito as vendas, mas não fechamos”, disse Wanderlon.

Cenário favorável

Números do Mapa de Empresas mostram que, apesar da pandemia, Roraima se manteve em posição de destaque nacional no enfrentamento à crise econômica. Em 2020, foi o quarto Estado que, proporcionalmente, mais abriu empresas no Brasil: 16,2% em relação ao ano anterior. Foram 5.784 novos negócios, frente a 1.692 que fecharam.

No ano seguinte, durante a segunda e mais grave onda da pandemia, foram 2.306 novas aberturas, para 672 fechamentos. E em 2022, quando caíram as últimas restrições ao comércio, Roraima registrou 7.796 novas empresas, sendo o Estado com o maior percentual do Brasil em relação a 2021 (6,9%), enquanto outras 777 fecharam as portas.

O cenário segue favorável. No primeiro quadrimestre de 2023, Roraima foi o quinto Estado que mais abriu empresas, em percentual, no País: 5,6% em relação ao mesmo período do ano passado, com a abertura de 2.872 empresas. Com tempo médio de 15 horas, é a unidade federativa com o 12º menor tempo médio para se tornar uma pessoa jurídica.

Nesse mesmo período, conforme o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Roraima registrou a abertura de 1.990 novos postos de trabalho. Segundo Rafaela Gonzaga, o desejo da família para a Vitrine dos Bolos é “crescer mais, expandir mais e contratar mais funcionários para gerar mais empregos e renda”.

Rafael Gonzaga, 38, que é administrador de empresas, avalia que a capital Boa Vista é um lugar com muitas pessoas que possuem a visão de empreender. “É uma cidade que ainda tem muito o que desenvolver”, disse.

Na opinião dele, ainda dá para ser pioneiro em alguns segmentos, assim como sua família foi há dez anos no ramo do bolo caseiro. “Aqui ainda dá pra ser uns dos primeiros. Quando a gente chegou não tinha casa de bolos”, lembra.

A declaração é reforçada pelo Índice de Cidades Empreendedoras de 2023, que aponta Boa Vista como a cidade com a melhor cultura empreendedora do Brasil. A capital de Roraima é, ainda, a sexta melhor cidade para se empreender, tem o sétimo melhor mercado e o 22º melhor ambiente regulatório.

O sucesso

Bolos são produzidos e vendidos no mesmo dia (Foto: Isabella Castro Fernandes/FolhaBV)

A família é unânime ao afirmar que a fórmula do crescimento do negócio é, além da união, a fidelidade aos clientes, ao manter as receitas dos bolos caseiros, feitos sem aditivos e conservantes, e vendidos no mesmo dia.

“Quando falta matéria-prima, a gente fica preocupado. Porque temos que substituir um produto que comprava antes por outro e a gente fica preocupado se vai ficar bom ou não. Esse é o fracasso de muitas empresas de alimentos”, avalia Rafael Gonzaga.

“Se o patrão muda a fórmula, o cliente percebe que não é o mesmo”, diz Valéria, que inspirada pelos chefes, revela o desejo de empreender. “Vou ficar aqui até onde puder crescer e abrir o meu próprio negócio (risos). Quero ser empreendedora também, um dia serei, se Deus quiser”.

O proprietário da filial do Pricumã acrescenta, ainda, o trabalho intenso, ao lembrar da época em que veio da Paraíba para Roraima na companhia da esposa para abrir e gerir a loja, que na sua opinião, representa a realização de um sonho e lhe proporcionou alcançar outras realizações.

Filho de Wanderlon e Rita, Rafael Gonzaga administra filial do Pricumã (Foto: Isabella Castro Fernandes/FolhaBV)

“Lá, eu morava de aluguel, trabalhava em empresa privada, já tinha o meu carro, minha esposa já tinha o emprego dela, a gente deixou tudo lá e veio pra cá pra começar do zero. E chegamos aqui, trabalhamos de segunda a sábado, acordava de madrugada pra trabalhar na produção, pra depois atendermos os clientes. Moramos de aluguel um tempo aqui, depois conseguimos comprar a nossa casa, comprar um carro e depois trocar o carro. Os filhos começaram a estudar em escola pública, hoje estudam em escola particular”, disse.

Vitrine dos Bolos tem cardápio com 58 sabores de bolo (Foto: Isabella Castro Fernandes/FolhaBV)
Para Rafaela, há outro ingrediente especial para esse sucesso. “Conquistamos o nosso público com o jeito acolhedor do nordestino”, destaca ela, que cita que o negócio uniu a família, que na Paraíba trabalhava em funções diferentes. “Tudo o que conquistamos até hoje foi através da Vitrine dos Bolos”.