Em virtude de um caso ocorrido no final de semana, quando um suspeito de estuprar duas crianças foi liberado em menos de quatro horas após audiência de custódia, o presidente do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), Almiro Padilha, divulgou, na manhã desta terça-feira, uma nota de esclarecimento sobre o caso (veja a nota na íntegra abaixo).
Dentre os pontos elencados, o TJ reforça que adota o princípio da Constituição Federal que não considera nenhum cidadão culpado de um crime sem que a sentença penal condenatória tenha transitado em julgado (quando não cabem mais recursos comuns).
Quanto à audiência de custódia, a nota esclarece que o juiz Parima Dias Veras entendeu que o acusado naquele caso merecia aguardar o julgamento em liberdade e que, no entanto, essa não foi a única medida tomada diante do caso.
“Todavia, impôs ao acusado outras medidas como o comparecimento mensal em juízo para justificar atividades, além de determinar que se notificasse o juiz da Vara de Execuções Penais sobre o possível descumprimento das condições do regime aberto imposto em processo diverso”.
O CASO – Na manhã de sábado, 12, o juiz de direito Parima Dias Veras concedeu liberdade ao suspeito de ter estuprado duas crianças – uma menina de 11 anos de idade e outra de 1, 8 anos – na noite de sexta-feira, 11, em uma casa situada no bairro Conjunto Cidadão, zona Oeste da cidade.
De acordo com o entendimento do juiz, a prisão de Luan de Souza Fernandes, de 24 anos, não poderia ser efetivada pelo fato de o acusado não ter praticado “violência real”.
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A propósito de matéria veiculada na capa do jornal Folha de Boa Vista do dia 14 de setembro de 2015, intitulada “Após Flagrante: suspeito de estuprar duas crianças é liberado em menos de 4 horas”, o Poder Judiciário do Estado de Roraima informa que:
1. A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LVII, ao adotar o princípio da presunção da inocência, não considera qualquer cidadão culpado de um crime sem que a sentença penal condenatória tenha transitado em julgado (não caibam mais recursos comuns). É uma garantia processual de tamanha importância que a sua não aplicabilidade nos levaria novamente ao histórico estado de arbítrio que imperava nos primórdios da sociedade.
2. Contudo, a assustadora escalada da violência e da intensa judicialização dos conflitos, aliada à demora na conclusão dos procedimentos policiais e judiciais, tornou a excepcional prisão, na sua forma preventiva (quando não há sentença transitada em julgado), em medida comum, ocasionando um aumento significativo no número da população carcerária neste Estado e em todo o País; números que incluíram o Brasil e fundamentam o pedido de inclusão do Estado de Roraima na lista internacional daqueles entes públicos que desrespeitam os direitos humanos.
3. É nessa perspectiva que o Poder Judiciário do Estado de Roraima, em medida inovadora, na data histórica de 04 de setembro de 2015, mediante o acompanhamento e supervisão do Conselho Nacional de Justiça, implantou o Projeto “Audiências de Custódia” em todas as Comarcas do Estado, pretendendo garantir que todo cidadão (trabalhador, pai e mãe de família, primário, reincidente, etc.), preso pela acusação de qualquer crime seja apresentado a um Juiz de Direito num prazo máximo de vinte e quatro (24) horas da sua prisão.
4. O projeto “Audiência de Custódia”, longe de representar a soltura imediata de criminosos, pretende que o Judiciário, imediatamente após a prisão, tenha conhecimento do ato para analisar sua legalidade e necessidade para continuidade ou não da prisão, imposição de outras medidas diversas, além de oportunizar ao Juiz verificar diretamente eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades. Tamanha é a importância deste ato que o Supremo Tribunal Federal (ADPF 347), em 09 de setembro de 2015 (quarta-feira passada), determinou aos juízes e tribunais de todo o País que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos realizem as mencionadas audiências de custódia.
5. No que se refere à audiência de custódia presidida pelo Juiz Parima Dias Veras – Magistrado nascido no Estado de Roraima e com mais de dez anos de atuação na área criminal -, utilizando-se de sua total liberdade e independência que são inerentes ao seu cargo, o referido Juiz entendeu que o acusado naquele caso merecia aguardar o julgamento em liberdade. Direito de todo cidadão brasileiro.
6. Ponderou o Magistrado, dentre outras circunstâncias que envolviam a ocorrência, que o grau da suposta violência praticada não justificaria a manutenção da prisão naquele momento; todavia, impôs ao acusado outras medidas, como o comparecimento mensal em juízo para justificar atividades, além de determinar que se notificasse o Juiz da Vara de Execuções Penais sobre o possível descumprimento das condições do regime aberto imposto em processo diverso. Anota-se que o fato, embora receba genericamente o nome de estupro, na verdade é outro ato libidinoso mais leve (Art. 217-A do Código Penal).
7. Anota-se que as investigações do caso iniciaram-se com a prisão do acusado e não há possibilidade, neste momento, de ninguém, nem mesmo ao Poder Judiciário, reconhecer a prática delituosa com a certeza necessária a uma condenação criminal.
8. O Poder Judiciário do Estado de Roraima, ao realizar esses esclarecimentos, manifesta também seu irrestrito e total apoio à independência da Magistratura, pilar da democracia brasileira.
Boa Vista-RR, 15 de setembro de 2015
ALMIRO PADILHA
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima