Jessé Souza

JESSE SOUZA 11820

Pouco muro e arte se desmanchando para muito dinheiro e fama internacional

Jessé Souza*

Na ânsia política de inaugurar logo o Parque do Rio Branco, onde foi erguido um mirante de 100 metros de altura, no Centro de Boa Vista, a então prefeita Teresa Surita (MDB)  fez de tudo, porque seus planos era de que essa obra passasse a representar sua grande marca para seus planos políticos futuros. E assim foi inaugurada ainda que inacabada, em dezembro passado.

Dentro desse “pacote da urgência”, a Prefeitura de Boa Vista abriu um edital público para contratar artistas locais com a finalidade de pintar suas obras em um muro que foi  transformadonum painel artístico. Em outro feito, dispensou licitação para  contratar um artista renomado, que mora em São Paulo, para pintar sozinho outro mural a um valor que envergonha os artistas locais.

Foram 25 artistas locais selecionados para pintar 34 murais, os quais valeram juntos R$150 mil. O valor foi dividido por cada obra, mas o totalsequer chegou à metade do que o artista de fora foi contratado, o grafiteiro Carlos Eduardo Fernandes Leo, conhecido como o Kobra. O contratodele para pintar um muro só dele custou R$400 mil. Quase meio milhão de reais!

Famoso mundialmente, a discrepância de valores chegou até a ser defendido por alguns, pois a alegação é de que não se tratava apenas de uma obra exclusiva, mas também da possibilidade de a presença do “mito” mundial dos grafiteiros pudesse representar um intercâmbio para os artistas locais.

No entanto, este Kobra sequer colocou os pés em Boa Vista. O mural, executado em outro muro menor do que o reservado aos 25 artistas locais, foi pintando por artistas terceirizados por Kobra. Ou seja, o renomado artista apenas assinou um painel executado por seus funcionários, ou seja lá quem foram os contratados.

O pior ainda estava por vir. Os terceirizados do “mito” parece ter cometido um erro primário e grosseiro, que foi não preparar uma base de qualidade no muro antes de executar a pintura, pois trata-se de um mural que fica exposto ao sol e chuva, além de outras intempéries às margens do Rio Branco. Não era obrigação preparar a base, ainda mais pelo valor pago ao artista.

Bastaram cair as primeiras rigorosas chuvas de um inverno que mal começou para que a pintura começasse a descascar, enquanto o mural dos artistas locaisestá intacto, apesar de um pedaço do muro ter rachado. Isso mostra que ali foi feita uma base realmente de qualidade para suportar as intempéries, como deve ser feito por um artista que se preze, apesar do valor irrisório que cada um recebeu em relação ao contrato do Kobra.

Tem mais. Pelo valor pago, muitos chegaram a pensar que este renomado artista iria fazer um imenso mural vertical no mirante que foi erguido no Parque Rio Branco (aí, sim justificaria o valor), e não um simples painel pintado em um muro sem destaque, que inclusive fica menos visível ao público do que o mural dos artistas locais.

Conforme comentei em artigo anterior, no dia 19 de fevereiro passado, se o contrato foi apenas por aquele muro pintado por terceiros, então era necessário que os vereadores investigassem o contrato, pois é muito dinheiro para pouco muro e uma fama internacional. Mas ninguém ligou para isso.

Se ainda falta executar parte do contrato, como pintar o mirante, então que os vereadores ou os órgãos fiscalizadores cobrem o motivo desta demora, uma vez que o mirante está lá, com todo mundo batendo foto para suas redes sociais, enquanto o artista contratado sequer veio ao Estado, com o dinheiro no bolso, enquanto a pintura está se desmanchando à primeira chuva.

Há um grande motivo para que isto seja investigado, não apenas pela comparação de valores e o trabalho que foi entregue. É que a justificativa para o valor e para a dispensa de licitação foi o fato de ter sido contratado  um artista renomado e que, portanto, só ele poderia realizar tal obra. Porém,  outras pessoas executaram o serviço por ele. Sem contar que a pintura está desaparecendo pela ação do tempo em menos de seis meses…

Então, vão deixar ficar por isso mesmo?

*Colunista