Jessé Souza

JESSE SOUZA 12512

É melhor deixar o velho brigadeiro descansar em paz no seu devido lugar

Jessé Souza*

Em tempos difíceis, em que o Brasil vive um dilema com a dicotomia política, é necessário entender os meandros políticos para não desenterrar mais demônios. Especialmente quando esta divisão entre esquerda e direita também frequenta caminhos turbulentos do revisionismo histórico, em que uns querem negar a ditadura brasileira e outros ávidos por destruir a estátua de Borba Gato.

Em Roraima, a vereadora Aline Rezende (PRTB) adentra por um labirinto escorregadio ao querer revisar o nome da Praça do Centro Cívico para rebatizá-la a fim de homenagear o falecido governador Ottomar de Sousa Pinto, um ícone da política local, sem dúvida, o qual ele mesmo chegou a se intitular o “pai dos pobres”, quando inaugurou por aqui a maior política assistencialista que poderia existir por essas bandas.

Como quem morre é natural que todos passem a analtecer seus feitos, a ponto de existir um consenso popular de que “todo morto vira santo”, há de se levar em conta que toda a história local é muito recente, com seus principais atores ainda em vida. Então, não se pode acreditar em uma unanimidade, especialmente quando se fala de Ottomar Pinto (que Deus o tenha).

Apesar de todo seu legado com efetiva contribuição para o alavancar do desenvolvimento de Roraima, com sua visão de desbravador e habilidade para lidar com a política partidária, o então brigadeiro Ottomar também tem feitos não louváveis, os quais não podem ser esquecidos. Lembrando ainda que todas as homenagens quando de sua passagem para outra vida foram feitas, inclusive batizando prédios e rodovia com seu nome.

O nome Praça do Centro Cívico é um consenso popular e histórico, além de ser o local de todas as grandes mobilizações populares, algo que o ex-governador não era muito afeito, pois era um militar linha dura e assim agia inclusive contra profissionais de imprensa, os quais eram arrastados por seus seguranças policiais militares de dentro do Palácio do Governo e de locais públicos onde havia eventos oficiais.

Embora haja um movimento que defende não relativizar o contexto histórico da atualidade com o do passado, o Estado de Roraima ainda hoje sofre reflexos da política assistencialista daquele momento recente, geração esta da qual muitos estão vivos e que foram para a fila da distribuição de buchada, peixe e galeto (frango), além de brinquedos para as crianças no Natal.

Mesmo não querendo levar em conta todos os pontos negativos, os quais não param por aí, pois naquele período surgiu também o tempo da pistolagem política em Roraima, será difícil pensar que alguém possa querer chamar a Praça do Centro Cívico espontanemente de “Praça Ottomar de Sousa Pinto”, especialmente quando movimentos marcarem mobilizações em favor de seus direitos.

O que o povo tornou consenso jamais qualquer decreto ou lei irá apagar, especialmente quando se quer apagar um fato histórico para tentar impor outro fato do qual existem muitas controvérsias, especialmente daqueles que também não podem esquecer jamais de suas decisões políticas nefastas de outrora.

Apesar de ter sido o melhor estrategista político de todos os tempos, Ottomar não deixou herdeiros políticos, o que por si só já demonstra que não é uma boa ideia querer homenageá-lo mexendo no nome não apenas de um ponto histórico de Roraima, mas também local de grandes concentrações cívicas e de cidadania.

É melhor deixar que a história fale por si, sem querer desenterrar antigos demônios que nos assombram até hoje na política, especialmente nesse momento difícil pela qual passamos na política. A velha política daqueles tempos domina atualmente o cenário político com os sucessores direto de quem fazia parte daquele tempo obscuro.

O melhor que a vereadora autora da ideia poderia fazer é tentar emplacar um projeto de lei que oficialize o nome de Praça do Centro Cívico, a qual abriga também o controverso Monumento aos Garimpeiros e que mantém a histórica Praça do Coreto, recentemente revitalizada pela Prefeitura. O mais sensato também é o prefeito Arthur Henrique (MDB) vetar o projeto e deixar o velho brigadeiro descansar em paz.

*Colunista